quarta-feira, 16 de março de 2016

Labirinto



Sob um lampião apagado, eu tentava me localizar. Não sabia dizer há quanto tempo eu já estava ali, mas era tanto que eu ja não conseguia mais contar. Olhei ao meu redor, onde paredes de pedra cobertas com musgo e trepadeiras seguiam por vários corredores e caminhos e constituíam formações confusas. Como eu havia ido parar ali?
Quando eu deixei-me me perder tão profundamente?
Eu avancei em meio ao labirinto, tentando ignorar a sensação pesada que pressionava meus sentidos. Era tudo muito escuro, salvo alguns vaga-lumes que iam e vinham, mostrando de quando em vez as curvas duplicadas e as divisões dos muros. Eu não sabia se deveria voltar - na verdade, não teria para onde voltar. Minha única alternativa era seguir em frente e tentar ouvir meus instintos há muito perdidos dentro de mim mesma.
Sem pensar demais, virei à esquerda. Eu segui por alguns minutos num caminho reto, até me deparar com as paredes fechadas, num corredor sem saída. Virei-me para trás, e puxei o ar, apavorada, diante da minha visão. Todo o caminho reto pelo qual eu havia seguido simplesmente deu lugar a várias outras divisões novas, que intercalavam entre curvas à esquerda e à direita.
Isso não era possível. Ou eu estava louca, ou o lugar estava vivo. Eu não sabia mais se podia confiar nos meus sentidos.
Eu voltei pelo caminho novo, escolhendo virar à direita, à esquerda e em seguida à direita novamente. Minha visão começou a estremecer. A sensação pesava ainda mais em mim e parecia quase me esmagar. Apertei o passo. Segui por um zigue-zague quase interminável que culminou num ponto de caminhos cruzados. Eu olhei em volta, e em meio a uma tontura, perdi-me do meu senso de localização e simplesmente esqueci por que lado eu havia vindo. Vi-me diante de quatro possibilidades - em frente, à direita, à esquerda e para trás - sem saber em qual delas eu estaria voltando pelo mesmo caminho de onde vim. Fiquei por um minuto parada sem saber o que fazer, e uma falta de ar horrível começou a afligir meus pulmões de repente. Eu tinha que sair dali, eu precisava sair. Aquele lugar era enlouquecedor.
Escolhi seguir em frente, me escorando às paredes de musgo e me arrastando. Meu corpo parecia pesar mais a cada passo, e a cada segundo eu parecia ficar mais fraca. Antes de chegar a ver uma outra curva, não aguentei e caí. Meu cérebro vibrava. Eu puxava todo o ar que podia, mas ele não satisfazia meus pulmões. Os muros ficavam maiores, o ambiente, mais turvo.
Aquilo era torturante.
Oh Deus, o que eu havia me tornado?
Tentando mais uma vez, me agarrei às trepadeiras e ergui meu corpo. Busquei energia no meu mais profundo ser, e comecei a correr irregularmente, quase desequilibrando. Visualizei uma sombra diferente, distante, a perder de vista no caminho a minha frente. Tinha que ser algo. Corri com mais afinco. Mas meu coração gelou ao identificar o que era.
Um poste. Um lampião apagado. As mesmas formações confusas.
Eu voltei ao começo. Segui por um circulo louco, e voltei ao começo. Caí de joelhos no chão, levei as mãos aos cabelos. Um grito estridente irrompeu por minha garganta, sem controle, e ecoou pela escuridão, pelos corredores frios.
Olhei novamente ao redor, tentando em vão mascarar o desespero. Observei o movimento dos vaga-lumes, e dois deles seguiram por um corredor à frente. Meu instinto despertou. "Siga-os", ele disse à mim.
Desesperadamente comecei a andar, ignorando a sensação esmagadora e a falta de ar. O brilho verde dos insetos tornava-se mais intenso a cada metro percorrido. Um deles então virou à direita, mas o outro não o seguiu. Pousou numa das folhas grudadas à parede e ali permaneceu, parado. Eu segui pela direita, e uma escuridão completa se mostrou diante de mim. Não era possível ver nada - nem os muros de musgos, nem o chão sob meus pés -, num infinito negro, a única coisa visivel era o piscar brilhante e verde que distanciava-se lentamente. Com coragem, eu avancei.
O caminho aparentava não ter mais fim, visto o tempo em que eu permanecia andando sem cessar e adentrando àquelas trevas.
De repente, o vaga-lume parou no ar. Eu parei também, esperando por alguma reação do inseto, porém ele se manteve parado, flutuando sutilmente pra cima e pra baixo num mesmo ponto.
"Aproxime-se", o instinto me disse.
Eu lentamente fui em direção a ele, com leveza para não afugentá-lo de alguma forma.
O vaga-lume permanecia. Fixo, estável.
Ao estar bem próxima, seu brilho quase me cegava. Eu ergui minha mão e com muita delicadeza toquei no vaga-lume.
Uma onda forte e invisível atravessou meu corpo e eu suspirei profundamente. O inseto desapareceu, o caminho tornou-se novamente visível - apesar de ainda escuro - e a sensação pesada parecia dissipar-se gradativamente, bem devagar. Eu olhei à frente, e um único caminho convidava-me a seguir adiante.
Meu pés moveram-se praticamente sozinhos, sendo instigados por meu instinto antes desaparecido, e agora tão nítido. Como um amanhecer lento, a escuridão desfazia-se, tornando todo o ambiente acinzentado. Eu parei imediatamente, em reação ao que estava diante de mim.
Um lobo castanho esperando, paciente, numa abertura de pedras quebradas do muro do labirinto. Ele me olhou, e seu olhar atingiu-me com tamanha intensidade que um arrepio forte percorreu minha pele. Andei em direção à ele, que guardava a saída com firmeza e serenidade. Imponente, robusto.
Fui convidada por meu instinto a ficar tão próxima a ele, que sentia sua respiração quente e pesada aquecer todo o frio do qual eu acabara de sair. Ele deu passagem para que eu atravessasse o limiar do labirinto, e ao pisar na grama do lado de fora, finalmente pude respirar fundo e satisfazer-me com o ar que me faltava.
Em meio às árvores, deixei meu corpo desabar. Todo o desespero desaparecera. O lobo deitou ao meu lado e em nenhum momento retirou seus olhos de mim.
A longa madrugada dava lugar ao gélido da manhã.
Deixei o calor que emanava do lobo ao meu lado cobrir toda a minha alma.
E me aquecer, enfim.