segunda-feira, 29 de agosto de 2016

Terras Brancas (parte 1)



Um som longínquo de uma melodia ressoava. Era, decerto, familiar. Ao mesmo tempo, desconhecida.
Abri meu olhos. A luz ofuscou-os por alguns segundos, lentamente revelando o local à minha volta. Uma clareira. Verdejante, quieta, ácida clareira. Um leve frescor alaranjado e um banho de luz amarelo limão, agradavelmente dançantes. Apoiei as mãos na terra quente. Meus pés descalços, apesar de tocarem a terra, estavam limpos. Limpos como a consciência vazia que guiava meus sentidos. Vazia, como minha memória, como eu mesma.
Tentei buscar qualquer coisa em minha mente, sem sucesso. Apenas um grande, profundo e absoluto nada.
As árvores brilhavam em um verde cintilante intenso. Em meio à elas, eu permanecia. Sentada no chão cheio de folhas, avistei um coelho cinza. A criatura me olhou com olhos marrom acinzentados convidativos e, saltitando, adentrou na floresta. Meu instinto o resolveu seguir.
O coelho me levou por um caminho confuso. Percorreu a floresta, perpassando o total equilíbrio da natureza, onde cada musgo cresce sob cada erva que cresce sob cada arbusto que cresce sob cada árvore, em uma corrente alternada de sombras e sol, onde as folhas deglutem compartilhada fotossíntese, e onde as raízes em compartilhada terra têm sua morada. Saltitou, parecendo compreender toda a complexidade da vida, até uma outra clareira, podendo-se dizer maior que a anterior, onde uma pequena casinha erguia-se sob a luz branda do sol. Era feita de troncos de árvore retorcidos, raízes e vidro, com gramíneas regulares que a cercavam. Uma única porta no centro estava aberta, o coelho entrou por ela.
Em frente à casa, uma pequena tábua de madeira era segurada por duas cordas fibrosas penduradas em um galho forte. Nela, uma criança se balançava para frente e para trás. Seus pés descalços empurravam a grama para impulsionar mais a balança com objetivo convicto de alcançar o teto celeste que nos cobria, corajosamente determinada. O vento da resistência causado pelo movimento fazia dançar os cabelos negros curtos e levemente cacheados do garoto, que aparentava ter seus 10 anos, fazendo assim aparecer seus cílios espessos e olhos escuros radiantes. Aproximei-me, sem qualquer sinal da ciência do menino sobre minha presença.
-Oi. - foi o que eu disse.
-Oi! - os olhos radiantes foram direcionados à mim, a palavra saiu através de um sorriso.
-Qual o seu nome?
-Lucas - ele disse animadamente.
-Lucas, você sabe dizer que lugar é esse?
-Cê não sabe, moça? - diminuiu lentamente a velocidade da balança, até parar, e me olhou nos olhos atentamente.
-Eu não consigo me lembrar de nada.
O garoto pareceu irradiar alegria, pulou da balança e veio. Sua mão segurou na minha, da forma mais espontânea que se possa fazer possível.
-Vem!
Deixei que sua mão me puxasse e levasse, com a sutileza e a alegria mais puras, até o interior da casa. Passamos pela porta aberta, por onde também entrara o coelho, pisando na superfície amadeirada de tábuas do assoalho. Adentramos a um belo interior iluminadamente amarronzado, com um sofá cor de creme ao lado direito, e uma cozinha com uma mesa e cadeiras de madeira rústica à esquerda. Não havia divisões de cômodos. O ambiente trazia a mim uma calorosa sensação de lar, entrando sinuosamente em minhas vias aéreas como uma essência luminosa e volátil. Na parede em frente à porta, abria-se uma janela, cujas arestas eram quase puxadas para dentro de si mesma por ondas transparentes quase invisíveis - e talvez fossem mesmo -, espiralando-se infinitamente, em um branco esverdeado extenso. Nitidamente, a janela era o destino.
-Pode olhar - a indicação veio não como uma permissão, mas como um despertar.
Aproximei-me da abertura, que, a cada piscar dos meus olhos, transmutava-se em uma pintura surrealista magnética. Além de suas molduras, um precipício convidava-me a mergulhar em sua imensidão ocre e verde escura dos morros que seguiam à frente. Um fino riacho pálido corria no pé do cobertor de árvores longínquas e minúsculas - definitivamente, muito diferente da verdejante clareira original que se esperava ver rodeando a casinha. Nesse momento, estaria a pequena casa, na realidade -se eu resolvesse confiar nos meus sentidos -, elevada a muitos e muitos metros de altura, construída no alto do precipício mais alto, ou simplesmente tendo nascido com ele, em sua estrutura primordial. Solitária.
Aproximei-me mais. Apoiei no parapeito. Era gigante aquele mundo depositado dentro da janela. Os ventos tinham sua origem tão distante quanto seu destino, e escolhiam parar no meio de seu caminho para acariciar as pálpebras dos meus olhos e minhas maçãs do rosto.
Olhei para baixo. Uma infinidade de metros caíam abaixo daquela abertura quadrada. Meu coração pulsava em meus tímpanos, como se dissesse...
-Pula - disse Lucas com naturalidade.
-O quê?
-Não precisa ter medo, não pensa em nada, só pula!
Eu poderia dizer que não iria pular. Poderia dizer que ele estava louco se esperasse que eu simplesmente pulasse pela janela. Porém, o que era aquilo? O que era aquela janela, que se movimentava em ondas assimétricas pré-lisérgicas? O que era aquela casinha, que ora habitava em uma clareira melodiosa, ora fazia parte da imensidão de um precipício? E esse chamado que perpassava os átrios e os ventrículos, quase ensurdecedor, que fazia-me realmente querer pular?
O garoto atravessou por mim e subiu no parapeito, sentando tranquilamente. Ele me olhou determinado. Eu sabia que ele iria pular também.
Por que eu simplesmente não conseguia resistir à vontade incontrolável de saltar para dentro daquele mundo gigante?
Eu sentei ao seu lado no parapeito. Quase podia dizer que não era eu mesma que estava controlando meus movimentos. A abertura tinha espaço suficiente para que nós dois erguêssemos as pernas, virássemos e as colocasse penduradas para o lado de fora. Ele pegou em minha mão trêmula - elas tremiam não de medo, mas de ansiedade.
Algo em mim resolveu seguir o que o menino disse. "Não pense, não pense, não pense." repeti a mim mesma. Então, não pensei em nada.
Deixei meu corpo ser levado pela gravidade. Lucas veio comigo. Deixei a casinha para trás, entrando no precipício e caindo com rapidez. O vento cortava o espaço entre meus cabelos, trazendo a sensação intensa da queda livre, e podia jurar que as árvores minúsculas permaneciam igualmente minúsculas, sem se aproximar a cada metro que meu corpo deixava para trás. Lucas deu um grito de extrema diversão. Meu peito estava prestes a explodir por uma intensidade que quase me levava a delirar. Meu coração satisfeito e louco debatia-se.
Quando percebi, Lucas estava dando voltas no ar ao meu redor. Voando.
-Vem!
Ele veio como uma andorinha e segurou meu braço, puxando-me para frente, lentamente fazendo uma curva pela força resultante da queda e soltando-me logo em seguida. Impulsionei-me instintivamente no ar, para frente e para cima. E então, eu estava voando também. Simples como andar para frente. Voando sobre as árvores e o riacho e os morros e os ventos.
Era maravilhoso!
Lucas veio voando ao meu lado, me seguindo. Eu olhei pra ele, e um riso de completa e pura felicidade escapou pela minha garganta.
Seria um sonho? Do qual eu iria acordar antes de descobrir onde poderíamos chegar se apostássemos uma corrida?
Fosse como fosse, preferia deitar meu espírito àquele corpo flutuante e "não pensar em nada". Enquanto pudesse desfrutar de todo aquele céu esverdeado, eu estaria bem.

~

O sinal tocou. Todos nós levantamos das carteiras e corremos alegres para o recreio.
-Devagar, crianças! - disse a professora Alba.
Dona de um carisma sem igual, uma mulher jovem permanecia parada, de costas para o quadro negro, olhando cada criaturinha que saia saltitando pela porta. Sorria, com a mão esquerda no bolso de trás da calça jeans e com a direita ajeitando o cabelo curto, curto a ponto de exibir as orelhas que sempre penduravam brincos diferentes a cada dia.Tinha um jeito de lidar conosco e de ensinar admirável e colorido. Uma exímia professora da terceira série. A melhor que eu teria em toda a vida escolar.
Todas as crianças da sala a amavam. Inclusive eu.
Corri pelo corredor e pelo pátio da escola, desviando dos avisos de "não corra" dos inspetores enfadonhos, até chegar ao ambiente externo, onde um formigueiro de crianças se emaranhava sobre a grama verde do parquinho. Enquanto as crianças esperavam sua vez, se amontoando e revezando uma por uma nas gangorras e balanças, eu sentei-me na grama, um pouco afastada de tudo. Minhas meias compridas de arco-iris combinavam com o uniforme formado por um tênis e short-saia azul-marinhos e uma camiseta branca com o emblema da escola na frente e atrás.
Ficar sentada ali, observando tudo de longe, era prazeroso e confortável.
-Por que você não vem brincar, Diane? - ouvi uma voz dizer de repente.
Olhei para cima. O garoto estava em pé ao meu lado bloqueando a luz do sol. Sentou-se ao meu lado na grama. Seus cílios espessos piscaram alegres atrás dos óculos de bordas azuis, esperando que eu respondesse.
Embora tivéssemos estudado a segunda série em salas separadas - maldita divisão de classes -, era meu amigo mais próximo. Esperava que ele soubesse a resposta. Talvez soubesse, mas insistia na tentativa mesmo assim.
-Eu não me sinto bem no meio de todo mundo, Lucas.
-Eu sei. Mas você não pode ficar longe de todo mundo pra sempre. - ele deu dois puxões no meu braço de leve - Vamos brincar na balança?
Lucas mantinha uma expressão animada. Olhei para toda aquela criançada que fazia um barulho incessante, tumultuando-se na fila de cada brinquedo. Não tive coragem.
-Amanhã nós vamos, ta? - eu disse, deitando na grama.
Comecei a observar as nuvens que iam e vinham. Ele fez o mesmo, deitando-se do meu lado.
Através da imaginação forte que uma criança de oito anos alberga, fui vendo naquelas nuvens uma corrida disputada entre um elefante, uma formiga gigante e uma penteadeira com pernas. Logo depois, vários animais feitos de algodão dançavam, celebrando uma festa no céu. Eles convidavam-me a me juntar a eles.
-Qual o seu maior sonho? - eu o perguntei.
Ele continuou por alguns segundos concentrado nas nuvens antes de me responder.
-Meu sonho é crescer. Poder fazer tudo o que eu quiser.
-Minha mãe diz que crescer é ruim. Que a gente nunca mais vai brincar.
-Eu não acredito nisso. Eu vou brincar até ficar velho, vou ser um adulto legal. Adultos são sem graça porque não brincam.
Eu arrancava lentamente a grama com minhas mãos, pedacinho por pedacinho, enquanto o escutava atenta.
-E qual o seu maior sonho, Diane?
Virei minha cabeça para o lado para olhá-lo diretamente. Lucas permanecia me fitando o tempo todo. Sorri para ele, voltando meu olhar às nuvens.
-Meu maior sonho...
Fechei os olhos para sentir a brisa leve que vinha do céu.
-... É voar.


quinta-feira, 25 de agosto de 2016

Sonho nº. 11 - Evaporar pt. 3

Fazia muito frio e a casa estava bem escura, como naqueles dias em que tudo fica meio marrom e cinza e só se vê o ar quente condensando quando você fala, ou a fumaça do chá.
Ele estava lá, com aqueles olhos azuis brilhantes e aquele sorriso malicioso. Vestia uma blusa cinza esportiva e luvas. Era estranho vê-lo com qualquer roupa que não fosse seu solene terno.
- Você aqui!
Eu abri um largo sorriso, mal podia acreditar. Era estranho como ele só se dirigia a mim quando estávamos sozinhos... Tantas vezes o vi no corredor, ele me lançava olhares e eu os retribuía, porque ambos somos iguais: não gostamos de dar bom dia. Mas nunca uma só palavra. O orgulho de seu posto era maior.
Mas no fundo eu sabia que ele gostava de mim, mesmo que só demonstrasse isso esporadicamente. Fiquei sabendo que ele me citou como exemplo outro dia, mas ele jamais mencionara meu nome - talvez por medo de me reconhecerem (e mal sabe que o fizeram...)
- Quanto tempo! Como você está? - retribuí com um abraço apertado.
Ele me olhou e ajeitou os cabelos com as costas da mão, apoiando o mindinho nos fios cheios de gel. E que saudade que eu tinha disso.
Conversamos por algum tempo, mas eu notei que seus olhos não paravam nos meus, insistentemente fixados para baixo. Eu contava a ele sobre meus projetos, e então ele me interrompeu, com sua voz imperiosa:
- Será que você pode puxar seu zíper?
Eu abaixei os olhos, notei que o zíper de minha blusa tinha abaixado levemente. O decote sutil desenhava-me um coração no colo. 
Ruborizada, toquei no pingente e comecei a puxá-lo para cima. Sua mão pesada e quente me tocou, puxando-o para baixo.
Meu coração acelerou e entalou em minha garganta, e o zíper descia em câmera lenta, mas eu estava paralisada e chocada demais para me manifestar.
.
.
.
Ou talvez eu tivesse medo de saber qual seria a minha manifestação.
...
...
O zíper finalmente chegou ao fim, momento em que senti a temperatura externa congelante em minha pele. Eu mal respirava, mantinha meu olhar baixo e sentia meus pelos arrepiarem - frio, medo, vergonha, ansiedade?
Sua voz majestosa novamente me interrompeu do transe:
- Linda, tão linda. Uma pena que não posso tê-la.
Ele aproximou os dedos de mim, e eu fechei os olhos com toda a força que eu poderia. E então, senti um impacto forte no lado direito.
Abri os olhos. Um punhal. Eu via o sangue escorrendo, mas a dor ainda não se manifestara.
Meus olhos marejaram.
Por quê?
E então, deixei-me levar pelo pânico - momento em que a dor realmente apareceu. Caí no chão, atônita. Tudo escurecia, quase como se eu fosse desmaiar.
A última coisa que vi?
Seus olhos azuis, tão marejados quanto os meus.

quinta-feira, 11 de agosto de 2016

Sonho nº10 - Do fauno e da cobra


Eu estava parada. Uma música celta alegre tocava ao fundo. Olhei em volta, e percebi estar em um lugar elevado, diante de árvores. Era a varanda de algum tipo de apartamento, porém, o imóvel estava completamente perdido no meio da floresta, como se tivesse sido deixado lá de alguma forma, ou como se as árvores o tivessem engolido com o tempo.
A varanda de madeira dava a volta ao redor dos cômodos, acompanhando as quatro paredes externas. Na curva que ela fazia para a direita, diante de mim, havia um fauno. Ele me olhava fixamente. Usava uma máscara de crânio de cervo, e por trás dela, haviam olhos enigmáticos que causavam-me algum tipo de temor. Eu corri, assustada - o fauno me dava um medo inexplicável. Dei a volta pela varanda, percorrendo seu caminho quadricular, enquanto o fauno me seguia.
Até que então, me deparei com uma cobra comprida. Saltei-a e parei na sua frente. Suas costas eram verde-claras e sua barriga era escura, quase negra. Ela rastejava lentamente em minha direção e eu andava para trás lentamente também, fugindo dela.
O fauno surgiu na curva da varanda. Ele começou a dançar e a saltitar, em movimentos graciosos que eu admirava e contemplava, mesmo estando com medo. Ao início da dança, a cobra imediatamente se enrolou e se torceu, movimentando-se desesperada e sentindo uma dor escruciante. Quanto mais o fauno dançava, mais a cobra se contorcia, e olhando para ela, eu quase podia ouvi-la sibilar agonicamente.
Eu então entrei por uma das portas e atravessei um quarto. Olhei para trás, e o fauno me olhava através da porta. Eu continuei seguindo, atravessando por dentro até o outro lado da varanda, onde vi um pedaço de madeira ligando a ponta da curva da varanda ao interior da floresta. Imediatamente escorreguei por ele, caindo em uma clareira envolta por árvores verde-escuras. Havia pessoas lá. Dentre elas, um silêncio enlouquecedor.
Antes eu tivesse permanecido com o fauno.

quarta-feira, 3 de agosto de 2016

Espinhos



(Esse texto é a continuação de ~Labirinto~)

Em meio ao anoitecer na floresta, eu fechava meus olhos e tentava esvaziar completamente minha mente. Eu tinha medo da noite. Ela nunca trazia coisas boas.
Abri meus olhos. A fogueira no centro trepidava, branda. O lobo castanho permanecia ali, na clareira, fazendo-me companhia, porém estava deitado, caindo em um sono inevitável, depois de esperar-me acordado por tanto tempo. Era lindo e aconchegante observá-lo dormir.
Não foi preciso muito tempo até que um vento forte viesse de repente e apagasse a fogueira que protegia-nos noite adentro. Eu olhei para o lobo, mas ele continuava dormindo.
Não consegui evitar que o pavor me tomasse.
Uma energia sombria começou a inundar-me. Ela exerceu sobre mim um hipnotismo e um controle da minha mente, contra o qual eu não tinha forças para lutar. Simplesmente sucumbi, sendo tocada por uma sensação fria e aterradora.
Levantei-me. Uma força obrigou-me a me virar para a saída da clareira. Olhei uma última vez para o lobo adormecido enquanto meus olhos puderam alcançá-lo.
Minhas pernas começaram a se arrastar sozinhas, levando-me para entre as árvores por um caminho escuro sinuoso. A energia sombria apertava minha carne com sua intensidade, e uma dormência tomava todo o meu corpo. Quanto mais eu andava, menos eu conseguia sentir a luz da lua me tocar. Corujas conversavam entre si sobre os galhos das árvores altas, mas era impossível de localiza-las. A pele exposta das minhas pernas era cruelmente afligida pelos espinhos dos arbustos baixos que seguiam por toda a extensão de onde eu caminhava. Os arranhões fundos doíam, mas o pavor que se instalara em mim tornava a dor quase imperceptível.
Depois de horas de um caminhar lento, pude distinguir algo por trás das folhas e troncos. Mesmo na escuridão, era possível se ver.
Uma parede de pedras tomada por musgo. Uma entrada ornamentada com arabescos de espinhos.
Não.
NÃO.
Eu não voltaria para aquele lugar!
Fiz toda a força que pude para mover minhas pernas para outro rumo, ou para simplesmente pará-las. O hipnotismo era profundo. Nenhum esforço meu era mais forte do que o controle exercido pela energia sombria. A dormência no meu corpo aumentou, eu quase não sentia meus membros. Eu me debatia internamente, e lágrimas de desespero não puderam ser impedidas de correrem ardentes dos meus olhos.
Por que eu sempre me permitia voltar para lá?
A poucos passos da entrada, minha mente exausta não teve mais forças para se debater. E eu me entreguei.
Por que eu sempre me permitia entregar-me?
Um tremor distante intermitava no solo. Um farfalhar de folhas longinquo se aproximava rapidamente. Um rosnado forte ecoou por toda a noite e me fez respirar profundamente.
Minhas pernas pararam. Fui obrigada a virar-me para trás. O lobo vinha com velocidade, e em menos de um segundo surgiu dos arbustos e saltou sobre mim, derrubando-me com brutalidade no chão. Ele manteve suas patas pesadas sobre mim, suas presas à mostra. Rosnou com intensidade mais uma vez, e a energia sombria simplesmente se esvaiu de mim e pareceu voar para longe, como um vento frio, afugentada pelo seu calor. A dormência sumiu e pude controlar meu corpo novamente.
O lobo escondeu as presas e me olhou com tristeza. Suas pernas estavam completamente arranhadas pelo caminho espinhoso, e o sangue escorria sobre os pêlos densos.
Ele deu espaço para que eu me levantasse, mas eu me desequilibrava. Os cortes agora doíam mais.
“Suba em minhas costas”, eu pareci ouvi-lo dizer em minha mente.
Eu subi e me aninhei em seus pelos, escondendo meu rosto em seu dorso.
Eu estava desolada e envergonhada demais para qualquer pedido de perdão. Agarrei-me a seu corpo enquanto ele corria para dentro da floresta novamente.
Eu nunca me perdoaria por causá-lo tanta dor.