terça-feira, 23 de julho de 2019

Sonho n° 15 - Escada



Entrei no corredor vindo de lugar nenhum. As luzes artificiais, fracas. O ambiente, cinzento. Andei até a beira da escada para o segundo andar, antecedida de grades pintadas com tinta verde-escura. Minha mão esquerda tocou o brilho plástico e puxou o ferro frio. Dobradiças rangeram.
O primeiro lance de degraus da escada cinza esverdeada localizada à esquerda escalava-se, partindo da base térrea escurecida até a curva anterior ao segundo lance, iluminada parcialmente por passagens vazadas dos blocos ornamentados da parede que se opunha a ele. A luz entrava, branca e fria, e irradiava por trás da figura ofuscada em pé no terceiro degrau. Pernas cruzadas, ombro direito apoiado na parede, a cabeça enfraquecida por pensamentos pungentes também encostada. Os olhos nulos, lábios retos, expressão estática.
Dei um passo na direção do primeiro degrau. A indiferença chamou meus olhos, que se voltaram diretamente aos seus. Era terra úmida, perene, vazia.
Minha boca se abriu e algumas palavras saíram dela. Algo talvez corriqueiro, balbuciado timidamente.
Dessa vez, foram os seus olhos que se voltaram a mim. Agora, uma terra castigada por uma chuva torrencial. Afogada. Turva.
- Não tenho porque viver.
E me atingiu as barragens. Enchente catastrófica que corria para dentro de todos os receptores de sentidos - eles eram dutos em uma inundação. Uma tristeza que escorria as escadas, esgueirava as paredes, irradiava como a luz fria na curva da escada. Cada gota percorrendo um caminho subterrâneo e duvidando de seu próprio retorno. Sozinhas em milhões.
Meus braços envolveram seu pescoço. A expressão não mais estática, e sim ondulada. O ambiente, cinzento. Meu rosto encostando o seu. Toda uma atmosfera soturna que nos engolia. E pulsava. Azul e verde.
Mas cinza no final.

quinta-feira, 23 de maio de 2019

Terras Brancas (parte 5)



Uma pequena presença chamou a atenção dos meus sentidos. Abri meus olhos e vi Lucas ao pé da cama, de pé, olhando serenamente para mim sob a pouca luz. Dei um suspiro de alívio.
- Pra onde você foi?
- Você caiu. Precisava ter caído.
- Precisava?
Ele não respondeu. Só riu aquelas risadas gostosas de criança e foi saltitando até a janela aberta enquanto eu me apoiava sobre os cotovelos para levantar o corpo e permitir que minha visão o acompanhasse saltitar.
- Você tem que saltar as janelas Diane. Salte as janelas.
Ele me olhava com determinação. Depositava em mim toda a expectativa mágica de uma criança sobre o que podemos ser.
Eu queria continuar ali, deitada, acolhida sob aquelas paredes cor de vinho. Entretanto, era exatamente isso que seus olhos diziam. Eu não chegaria a lugar algum se continuasse ali. Não haveria possibilidades ou incertezas e consequentemente não haveria nada. Apenas um limbo adormecido sob luzes fracas.
Há quanto tempo eu estava deitada ali?
Há quanto tempo inserida no limbo?
Levantei-me, decidida. Lucas vibrou, como se tivesse apostado corrida e ganhado. Meus pés descalços andaram pelo piso frio, sendo chamados pela noite lá fora. Quando encostei na janela, Lucas me abraçou o quadril. Eu tomei alguns segundos para reagir ao abraço repentino, dei um sorriso e envolvi o começo de suas costas com meu braço esquerdo, puxando-o levemente contra mim.
- O mundo pode ser belo às vezes, Diane.
Eu levantei o braço que o estava envolvendo e baguncei seu cabelo com a mão. Ele então soltou meu quadril, se afastando.
Coloquei meu pé descalço sobre o parapeito da janela e me impulsionei sem tempo de arrependimento, logo em seguida colocando o outro e terminando o impulso para fora do quarto e para dentro da madrugada. Meu corpo foi engolido por uma escuridão feita de árvores e de céu sem estrelas. Árvores que repentinamente tomaram todo o meu redor e esticaram-se para cima. Altas, muito altas. Tão altas que não se podia ver o chão que as sustentava e que aguardava minha queda. Tão altas, que pareciam ser a ligação entre a terra e o céu.
Eu não quis voar dessa vez. Eu precisava chegar ao chão. Eu precisava cair.
Mas eu sabia que levaria tempo até que meu corpo percorresse toda a altura da noite, e eu tomaria esse tempo para me manter acordada, e para lembrar que nenhuma queda seria capaz de subdividir meus fragmentos coloridos.
Não mais.

~

Era um daqueles dias onde o sol entremeia às folhas das árvores tristes da cidade, tentando avivar novamente aqueles seres que, um dia magnificentes, emanavam tudo que a vida necessita para ser mantida, mas que agora eram sobreviventes em meio ao cinzento e ao caos artificial. Mesmo assim o sol tentava, insistente, e assim nos proporcionava uma visão ensolarada agradável e inspiradora.
Alguns dos meus quadros finalizados estavam postos sobre cavaletes de diferentes tamanhos, posicionados em frente ao limite entre a grama e os pisos monocromáticos do caminho do praça, por onde pés ligeiros passavam para lá e para cá, seguindo seus próprios rumos, nunca realmente descompromissados. Por mais que um sábado de primavera brilhasse no céu. As ilustrações pequenas emolduradas eu mantinha encostadas sobre os pés de madeira dos cavaletes, para que tudo ficasse visível aos olhos apressados. Sentada com as pernas dobradas sobre uma canga azul-turquesa, eu deixara um esboço incompleto à minha esquerda no chão durante uma pausa para as mãos sujas de tinta e grafite e a mente anuviada de nós. Um cigarro de damiana e camomila queimava entre meus dedos indicador e médio, que estavam depositados sobre minha coxa. Levei-os até a boca e puxei a fumaça aromática, enquanto meus olhos acompanhavam os numismáticos e os artesãos sob as sombras de suas próprias barracas amarelas na extensão do caminho da praça. Algumas pessoas se preocupavam em parar para olhar o que tinham para expor e vender. Outras se preocupavam em diminuir o passo para deixar os olhos curiosos serem atraídos por alguns momentos - inclusive em frente aos meus quadros. Outras, ainda, não se preocupavam em se desligar da engrenagem que as levava para onde quer que estivessem indo. Olhos engessados.
Dei outra tragada. Voltando os olhos para os quadros, depois de algum tempo deixando-me devanear, percebi a presença de uma moça jovem - talvez apenas um pouco mais jovem que eu - parada em frente às telas, segurando as alças da mochila. Seu cabelo encaracolado e volumoso quase engolia os óculos de bordas medianas que, por sua vez, quase escondia as sardas que salpicavam a base de seus olhos. Um rosto tão inocente quanto os canários amarelinhos que brincavam na grama atrás de mim, alheios ao caos da cidade, das pessoas, do mundo. Entretanto, mesmo inocente, abrigava um olhar de identificação ao visualizar as pinturas. Um olhar que se encontrava em meio as cores que eu escolhera, que entendia a complexidade do sentir e do sofrer. Mesmo tão inocente.
Ela se agachou, dobrando o jeans apertado, para ficar mais próxima às ilustrações nos pés dos cavaletes. Em particular, a uma. Pequena e negligenciada. Centralizada entre uma moldura fina. Desesperançosa quanto ao seu destino.
- "Cale-se ou será pior" - eu disse, atraindo os olhos espertos da garota para mim - É o nome que eu daria a essa daí, se eu desse nomes a elas.
- Por que não dá? É uma boa ideia. - a voz era balanceadamente doce. Não de forma exagerada, não enjoativa. Era agradável e equilibrada. Como uma torta de limão.
- Sim. É uma boa ideia. - eu sorri.
Ela continuou contemplando a ilustração de pinceladas de cores quentes. O ser esguio de traço incerto segurando a boca.
- É como quando alguém te mapeia de acordo com as próprias concepções, aponta defeitos distorcidos, te toca a ferida, ignora a complexidade do ser e o resume em "certo e errado", esperando que você aceite, que não retruque ou rebata, e que também não se desculpe, pois desculpas é um ato de covardes. Alguém com poder sobre você. - ela não me olhava - Ou quando alguém quer te dizer o que é melhor pra você, sem se preocupar com o que realmente é melhor pra você, inclusive odiando aquilo que é melhor pra você. Alguém com autoridade sobre você. Ou simplesmente quando quer gritar e odiar, mas sabe que não pode deixar isso sair, ou sofrerá consequências. O que te resta?
- Calar-se.
- Sim. - dei a última tragada no cigarro moribundo, esfregando-o e apagando-o no chão - E assim seguimos, menina. Temos que ser engessadas e perfeitas e agradáveis, não temos?
- A todo momento.
Um silêncio se instalou enquanto eu retomava o esboço pausado. Ela sabia.
- Quanto você está pedindo nela?
Olhei para o rosto contemplativo.
- Por ela? - dei um suspiro - Todas as outras tem um preço, mas essa está há tanto tempo encostadinha aí. Pode levar por quanto o seu coração mandar.
A garota da voz de torta de limão abriu um sorriso sincero.
Acreditei, naquele momento, que o mundo às vezes podia ser belo afinal.

quarta-feira, 22 de maio de 2019

Terras Brancas (parte 4)



Caí com ímpeto no piso frio e empoeirado do chão ao atravessar a película da porta que separava água e ar, encharcando-o com a porção de água que me acompanhou para dentro da porta. Levantei-me, ainda com muita água escorrendo pela minha roupa e pelos meus cabelos. Analisei o local, que se mostrava como um corredor carmim e se estendia para os dois lados. À direita, havia uma porta fechada. À esquerda, terminando o corredor, uma mesinha de madeira escura com um rádio antigo, que tocava uma música familiar. A mesma melodia longínqua da floresta, porém, com falhas de transmissão e som monolítico, chapado e arranhado de tecnologia antiga. Mesmo assim, se podia ouvir a harmonia trabalhada de acordes ligeiros e encorpados de um tom menor. A melodia dançando em meio à harmonia, subindo e descendo, entrelaçando. Uma história sendo contada pelas cordas de um piano subversivo e de uma guitarra arrastada e preguiçosa. Notas que acariciavam o coração.
Na parede do corredor, alinhavam-se quadros graduais de uma arte em evolução. O primeiro da esquerda era apenas uma ilustração confusa em grafite do que poderia ser uma garota sem rosto metamorfoseando-se em milhares de mariposas, sob um lampião sinuoso. As sombras do desenho não deixavam que ele fosse claro e nítido. Apenas cinza e embaçado.
Os quadros seguintes eram ilustrações em um traço preto fino e certeiro, de pessoas sem rosto ou de costas. Eram tingidos de cores - a princípio com lápis coloridos, mas logo em seguida, na escala gradual dos quadros, com tinta - aleatoriamente pinceladas ou derramadas, despreocupadas com o limiar dos traços, vazando para onde queriam vazar, como se estivessem em uma camada diferente, em uma outra realidade paralela. Como se fossem sentimentos. Alheias. Por vezes, apenas cores frias, pingadas sobre as costas nuas de uma mulher sentada. Azul e verde água. Por outras, cores quentes, esbraseantes, pinceladas com agressividade sobre uma silhueta esguia que mantinha a mão sobre onde seria a boca - embora não possuísse elementos faciais.
"Cale-se ou será pior", foi a frase que senti ao olhar a obra. Talvez fosse um bom nome.
Os últimos quadros já não tinham ilustrações. Eram apenas representações de sentimentos coloridos de um abstratismo falho. Eles queriam ser como a guitarra e como os acordes que me invadiam os ouvidos, mas suas cores se tropeçavam, se atrapalhavam. Não havia padrões, não havia sentido, não havia nomes, não havia nada. Por vezes, havia um único traço preto solitário e amorfo, que seguia seu próprio caminho sem lógica, no meio da tempestade de cores quentes e frias utilizadas ao mesmo tempo. Roxo e verde e púrpura e castanho. Uma tentativa desesperada de se encontrar.
Depois do último quadro à direita, cheguei então até a porta. Todas aquelas cores pelas quais eu passara se aderiram à mim, e tingiram cada pedaço de fragmento, cada sulco, cada rachadura. Eu apenas as aceitei. Aceitei todas elas, e contemplei o que estava feito.
Abri então a porta. Adentrei, era um quarto apagado. Uma cama com um lençol bege estava perfeitamente arrumada e esticada, e permanecia levemente iluminada entre dois abajures amarelados de pouca luz. A janela estava aberta, mas não havia um único som que ousava entrar por ela. A única coisa que a transpassava era a noite escura que se estendia lá fora.
O quarto me trazia uma sensação de acolhimento. Calor, paixão e leveza. Eu apenas aproveitei a sensação acolhedora para sentar e então deitar na cama confortável.
Fechei os olhos, e deixei a música do rádio antigo ser a minha canção de ninar.

~

Estava em meu quarto. Luzes apagadas. Era noite, depois do jantar. Dois pratos tinham espatifado propositalmente no chão. Minha mãe catava os cacos e limpava tudo. Meu pai estava lá fora. Era outra casa, outra cidade, mas os vizinhos ainda paravam para ouvir ruídos contundentes de suas janelas. Algumas coisas não mudam.
Minha mãe havia prometido que íamos embora juntas quanto eu tinha doze. Eu já estava com quinze.
Debrucei sobre meu travesseiro e, debaixo dele, retirei uma lâmina. Entrei em meu banheiro, trancando a porta. Sentei no chão em frente à pia. Vários sentimentos liquidificados permeavam meu cérebro. Em destaque no meio deles, o ódio a quem eu era, ao que eu era, ao que havia me tornado.
Então eu aproximei a lâmina à minha mão esquerda.
Eu era a culpada. Eu merecia. Tinha de fazê-lo. Aliviaria a culpa, aliviaria o ódio.
Sem força, risquei, sentindo lentamente a dor acalentadora que abria de leve a pele. Desenhos vermelhos, horizontais e superficiais, como os desenhos que saíam das minhas mãos até o lápis e do lápis até o papel, todas as vezes em que encontrava a mim mesma ociosa e talvez inspirada, sombreando as figuras cada vez mais, a cada dia. Exagerando. Cada vez mais sombras no desenho, numa tentativa técnica fracassada. Não, eu não cortaria tão fundo. Não nos pulsos. Havia covardia demais em mim para ser capaz de encarar a morte. Covardia demais para sombrear certeiramente o desenho. Embora, às vezes, fosse difícil negar ser uma ideia a se considerar.
O sangue brotou nas linhas tortas. Os sentimentos liquidificados adormeceram levemente, deitando em meu cérebro, suave e confortavelmente. Tomei alguns minutos para mim sob aquela luz amarelada. Meu coração se acalmava, dopado. A culpa não estava mais visível aos meus sentidos. Por ora.
Levantei em frente à pia sem me olhar no espelho. Não havia nada de bom para ver ali, por trás dos cabelos escuros que caíam sobre os olhos pobres. Não havia nada de bom no rosto distorcido e nos lábios ressecados. Nada de bom no ser esguio, faminto e fragmentado que habitava por baixo daquela pele. Aquele ser corrompido que eu odiava ter me tornado. O ser que se mostrava no reflexo do espelho, e que eu não encararia. Os olhos baixos eram apenas atraídos pelas gotas de sangue que caíam na louça branca da pia e escorriam. Tonalidade vívida. Talvez eu não apenas sombreasse os desenhos da próxima vez. Eu queria colori-los de ódio.
Liguei a torneira para levar o vermelho embora pelo ralo e saí do banheiro. Com a luz ainda apagada, deitei-me na cama, sem conseguir fechar os olhos. Um feixe de luz que vinha do corredor entrava pelas frestas da porta e iluminavam parcialmente o quarto. Em meio à semiluz, brilhava um objeto em cima da mesinha, ao lado da cama. O cisne de cristal, que tinha uma das bordas trincada, ainda tentava voar em meio aos seus espelhos. Eu o olhei profundamente, deixando as lágrimas apenas brotarem, silenciosas.
Meu amigo...

terça-feira, 21 de maio de 2019

Atrasos


Quando eu o conheci, parecia que todos os sons eram um borrão zunindo em meus ouvidos e a minha mente finalmente ficou quieta. Eu já não ouvia meu cérebro esquematizando todos os próximos movimentos do meu dia milimetricamente planejado.
Quando ele disse pela primeira vez que me amava, tudo o que eu conseguia prestar atenção era a fina curva dos lábios dele esboçando um sorriso.
Ele sentia as borboletas dançando em seu estômago quando eu beijava seu pescoço e ria das minhas (falhas) tentativas de fazer piadas para tentar arrancar o sorriso estonteante que só ele trazia.
Ele achava engraçado quando eu montava a minha agenda no final do dia sem jamais ter ciência de que a falsa sensação de controle das pequenas coisas do meu cotidiano era a única coisa que desligava a energia do meu cérebro quando me deitava sobre o travesseiro - com exceção, é claro, dele.
Mas, um dia, ele não sorriu quando contei a piada que ensaiei dez vezes no espelho antes de soltar.
Ele não sentiu as borboletas agitadas quando debrucei sobre seu pescoço.
Os lábios dele formavam uma linha fina quando sussurrou opacamente que me amava.
Ele não achou engraçado quando planejei meu dia num pedaço de papel, sem jamais ter a ciência de que a falsa sensação de controle abranda o meu medo de me atrasar e de perder as coisas: o ônibus, a hora, eu, ele.

quinta-feira, 9 de maio de 2019

Cores Fluídas



Eu vi o carmim escorrer pela parede. Obsceno. Ele escorre. Fios finos de lenta viscosidade. Linhas vermelhas de um horizonte indisciplinado. Ele se estica e se encolhe como se tivesse todo o tempo do mundo para ser ele mesmo. O carmim arrasta decisões confusas de acordes dissonantes, porque ele não precisa ser natural e certo. Ele não precisa de hierarquias monárquicas. Ele não precisa fazer sentido.
Ele só continua fluindo, até que se torne um róseo vagarosamente determinado, embora talvez dormente. Entorpecido. Deitado sobre espirais rodopiantes infinitas. Empoçado. Espalhando-se por toda a superfície, sem preocupações, sem delimitações, porque suas bordas se tornam mais longas a cada segundo em que insistem em se deixar. Fluir.
E afundam. Permeiam sombriamente em um púrpura profundo. Consolidam. Formam mil flores em dó menor. Ele não se demora e não se contém, porque ele pode fazer crescer um bosque inteiro de árvores despretensiosas. Um bosque arroxeado delirante, onde quem caminha não sabe pra onde vai. Mas vai mesmo assim.
E cai. Mas não cai inconsciente. Cai, porque quer cair. Flutua entre o tempo e o espaço em um negro vibrante. Escuro. Quente. Dança com os dedos e com as filosofias e com os olhos e com os ideais. Dança uma música que nunca foi dançada. Ecoa em silêncio.
Em silêncio.
Em silêncio.

Um silêncio inquebrável feito do mais puro ébano.
Escuro, como uma noite dançante.

Sem estrelas.


segunda-feira, 22 de abril de 2019

Terras Brancas (parte 3)



Recostei sobre algo macio e aerado. Deitada, peguei com uma das mãos a matéria da qual era feita o chão. Só então abri meus olhos. Areia fina e molhada escorria pelos meus dedos e flutuava no ambiente líquido. Tudo muito transparente, como luz do sol em águas cristalinas. Imersa, eu ainda respirava.
Levantei-me. Comecei a caminhar em meio à resistência atenuada da água. Não era capaz de ver a superfície acima de mim. Mesmo havendo uma luz forte,  que despontava dela e iluminava tudo.
Andei por alguns minutos, até começar a distinguir objetos flutuantes que chegavam até mim. Uma escrivaninha caía, inclinada. Suas gavetas estavam bem fechadas, e os objetos que originalmente deveriam estar em cima dela a acompanhavam num mesmo movimento. Canetas, lápis, papéis e um porta-retrato, que continha uma foto desgastada de família. Um pai, uma mãe e uma menininha diante de um bolo cor de rosa cheio de velinhas vermelhas apagadas. A menininha tentava pegar o bolo, com a mão esticada. O pai e a mãe olhavam para a câmera, mas o desgaste da foto prejudicava a ilustração de seus rostos.
Duas chaves pretas presas por uma argola afundavam logo à frente dos meus olhos. Logo em seguida, caíam travesseiros e um lençol bege esvoaçante. Caíam roupas femininas e garrafas de vidro. Caíam flores coloridas distorcidas e telas de pintura em branco. Caía uma corda com vários nós em sua extensão.
Em frente à tudo isso, avistei, virada para a esquerda, uma pia de banheiro presa ao chão submerso de areia assentada, com uma torneira prateada brilhante e um espelho. Um espelho retangular sem molduras.
Por que eu tinha medo de olhar no espelho?
Permaneci caminhando lentamente mesmo assim. Enquanto passava pela pia, um ruído de vidro trincado foi emitido do espelho. Olhei automaticamente para ele, assustada com o som.
O vidro do espelho permanecia inteiro, sólido, plano. Entretanto, através dele, no reflexo que ele desenhava, uma obra modernista era exposta, retratando o rosto de uma moça jovem. O rosto era montado por vários cacos de vidro sobrepostos, irregulares, trincados. Os olhos dela eram de um escuro profundo, sua pele bronzeada era inocente. Os lábios estavam relaxados e retos, em uma expressão curiosa, assustada e triste. Cada fragmento montando algo que não era regular. Algo inconstante e quebrado. Uma face fragmentada de várias verdades e várias mentiras.
Pisquei meus olhos, a moça piscou de volta.
Era eu mesma.
Dentro da pia, um líquido vermelho estava escorrido, pintando a louça branca. O ralo engolia-o lentamente.
Recompondo-me, olhei para frente e continuei andando, deixando o espelho para trás, mas a moça fragmentada, não.
Em pouco tempo, cheguei até uma porta de madeira marrom escura, emoldurada, sem paredes em volta, presa ao chão de areia. A maçaneta era preta e em formato de L. Olhei para trás, os objetos que afundavam já pereciam todos na areia molhada, desfalecidos. Virei-me novamente para a porta e, com um certo receio, segurei na maçaneta e a desci, abrindo-a. Empurrei a porta, que se movimentou em direção à abertura, revelando um chão empoeirado e uma parede cor de vinho do lado oposto.
Era impossível ignorar aqueles objetos aparentemente aleatórios. Ainda pensando neles, e segurando todos os meus fragmentos, dei um passo adentro.

~

A janela aberta do quarto andar sugava a fumaça para além do recinto, onde a noite sem estrelas era iluminada por pontos de luz artificial amarela e musicalizada pelos motores dos carros que passavam insistentes sobre o viaduto. Sons de vozes masculinas agressivas digladiando rebatiam nas paredes grafitadas sob o viaduto e chegavam ecoados até o apartamento. Léo estava de pé do lado esquerdo da janela, recostado à parede, nu. O cigarro na mão direita ao lado do corpo era consumido lentamente. Eu ainda permanecia deitada, com o lençol bege jogado para o lado na cama, também nua, analisando as paredes cor de vinho, que davam ao quarto uma latente aparência sexual e prolongavam efetivamente a atmosfera pós-sexo. Em meio ao silêncio - que somente era quebrado pelos sons externos da cidade noturna -, senti seu olhar em mim, mas evitei olhar de volta.
-Ah sim - disse, finamente, depois de uma tragada - Quero te desejar os parabéns.
-Pelo quê?
-Uma e quinze da manhã. Não é seu aniversário?
-Quem te falou isso?
-Você mesma, Diane.
Tentei lembrar por alguns segundos.
-Semana passada, no Mantis.
-Claro. - arrastei a palavra, me dando conta do porquê da falta de memória. - Malditas luzes azuis piscantes.
-Sim, certamente as luzes te fazem esquecer muitas coisas e te dão uma senhora ressaca no dia seguinte.
-Vai se foder.
Ele riu. Deu uma outra tragada em meio a um sorriso, e depois continuou me olhando.
-Obrigada - eu acabei por dizer.
-Quantos anos mesmo?
-Vinte.
-E não vai fazer uma festa? Adoraria comer um bolo.
-Já estou fazendo. No inferno. Chamei até meus pais.
Ele ergueu as duas sobrancelhas em reação à minha ironia mórbida, numa expressão incrédula.
-Eu não sei o que você odeia mais: aniversários, pessoas ou seus pais.
-Odeio muitas coisas na vida.
-Espero que não odeie a mim. - ele deu mais uma tragada, e soltou devagar a fumaça.
Expeli o ar para fora em um pseudo riso, e balancei a cabeça horizontalmente.
-Não, eu não odeio você.
Mantivemos o silêncio por alguns longos segundos, antes que ele desencostasse da parede e apagasse a bituca contra o batente da janela.
-Mas eu sei de algo que você gosta. Muito.
Olhei diretamente para ele. Para sua pele morena e seu corpo perfeitamente proporcional. Para o seu rosto achatado, seu nariz largo e os lábios médios em meio à barba por fazer, ligada pelas costeletas ao cabelo de mesmo comprimento. Olhei para seus olhos pretos, que me olhavam com ar de predação.
Dei um riso malicioso, satisfeito e convidativo.
-Você é um filho da mãe, Léo.

quarta-feira, 17 de abril de 2019

Terras Brancas (parte 2)



Árvores grandiosas erguiam-se até quase tocar o céu. Seus troncos largos e grossos eram envolvidos por líquens azulados e subiam, dividindo-se em inúmeros galhos, que por sua vez subdividiam-se de novo e de novo, até suas folhas encontrarem-se com as folhas da árvore vizinha e ligarem-se num extenso telhado natural.
Encoberta por aquele teto, cada parte do meu ser se fazia tão leve que quase começavam a flutuar novamente - uma ideia tentadora, por sinal, mesmo que tivéssemos içado voo por um tempo difícil de mensurar, antes de pousar no meio de uma floresta além dos morros e muito, muito além da casinha. O sol não era completamente bloqueado pelas folhas, e pincelava todo o cenário com manchas de luz. Respirei fundo, tentando manter os pés no chão.
Lucas caminhava do meu lado, calmamente. De repente, parou e me olhou. Eu parei também. Seus olhos eram desafiadores e se ligavam a um sorriso competitivo, estranhamente adulto. Em apenas dois segundos, começou a correr, adentrando à floresta azulada.
-Espera aí! - tentei.
Antes que ele pudesse sumir de minha vista, comecei a segui-lo, correndo também. Corria com afinco, esbarrando em cada galhinho, folha e arbusto que eu cruzava e deixando linhas de luz azul passarem rapidamente pelos cantos dos meus olhos. A floresta toda pulsava, brilhante e, a cada passada, mais azul. Tão azul que não se podia mais definir se era dia ou noite. Eu corria e corria. Cada líquen mexendo-se vagarosamente nas superfícies dos troncos. Viscosos, como óleo em água. Corria. De quando em vez, avistava de relance os cabelos pretos passando velozes em meio às folhas anis, mas era difícil distingui-los das sombras que se formavam. A floresta não só pulsava. A floresta movia-se, rastejava pelos meus sentidos, ondulava.
-Lucas!
Sem resposta, tentava proteger o rosto dos galhos abundantes que tornavam-se mais e mais densos. Quase não se podia ver nada. Apenas um grande anil denso, onde eu densamente corria.
No lugar dos cabelos pretos espertos, o que fugia agora eram penas brancas, em um contraste único com as sombras e aquele azul todo. As penas brancas esvoaçavam, tentando levantar voo. Eram asas. Asas de um cisne que parecia estar desfalecendo enquanto fugia.
Subitamente, o chão sob meus pés mudou sua consistência. A terra mole engoliu minhas pernas até o joelho.
-Lucas!
A lama tornava-se líquida a cada movimento meu, na tentativa de continuar correndo. Líquida, a ponto de fazer meu corpo submergir e afundar. Óleo em água.
Eu afundava, com as costas para o fundo e o rosto para a floresta, cuja luz anil ainda transpassava o líquido transparente - que não era mais lama. A luz chegava aos meus olhos que lentamente se fechavam. Não por falta de ar, pois ainda respirava. Dentro da atmosfera líquida de começo azul e de fim negro, ainda respirava. Meus olhos fechavam porque eu tinha medo. De alguma coisa.
Eu tinha medo.

~

-Eu... Queria te dar uma coisa. - Lucas disse-me enquanto pintávamos um desenho de um bosque cheio de animais. A aula de artes sempre foi uma das minhas favoritas. Preferia ainda quando as atividades eram individuais, mas fazer dupla com o Lucas não era tão ruim.
-O que é?
-É um presente. - virou-se para abrir sua mochila. Dela, ele tirou uma caixinha de papelão branco, estampado com florzinhas verde-claras, e entregou-me, contente. - Abre depois, ta?
-Ta bom. - sorri.
Continuamos pintando o desenho, enquanto conversávamos sobre desenhos animados e escolhíamos personagens para representarmos.
-Quando chegar o recreio, eu vou ser a Vampira. - eu disse.
-Eu vou ser o Ciclope. - ajustou os óculos enquanto falava.
A aula de artes e em seguida a de matemática correram rapidamente, e logo fomos liberados para o lanche. Eu peguei a caixinha e corri para o banheiro das meninas, alheia a todas as outras crianças, que sentavam no refeitório e retiravam seus pacotinhos de coisas industrializadas de dentro de suas lancheiras. Dentro de uma das cabines do banheiro, depois de trancar a porta, puxei o adesivo transparente que lacrava a tampa e abri a caixinha devagar. Retirei de dentro dela um pequeno cisne de cristal, que nadava sobre um espelho de apoio, ornamentado com outro espelho traseiro - como um encosto de uma cadeira -, que tinha bordas regulares de pontas curvas. Transparente, brilhante. O cisne parecia que a qualquer momento sairia voando dali.
Era lindo.
Eu abri um sorriso enorme, guardando-o novamente dentro da caixinha e a caixinha dentro do bolso da blusa e, saindo dali.
Encontrei Lucas indo até o palco, localizado na extremidade norte do pátio, onde eventualmente ocorriam apresentações educativas musicais e de teatro. Corri em sua direção.
- Obrigada! Eu amei!
Ele sorriu para mim, radiante.
Depois disso, era difícil dizer que eu não tinha certeza.
Eu havia planejado a semana inteira, porém agora eu estava certa de que realmente iria fazer.
O resto do dia correu mais devagar do que deveria, mas enfim a última aula estava acabando e meu coraçãozinho acelerava a cada minuto que passava. Eu balançava as pernas, irrequieta, sentada na cadeira esperando pelo sinal. Meus colegas de sala conversavam entre si, o som balburdiado de suas vozes entravam como formiguinhas do meu cérebro. Todo o barulho, porém, foi interrompido por um fatídico e esperado silvo, alto e longo.
Levantei-me rapidamente e de imediato, colocando a mochila nas costas e praticamente correndo até  Lucas.
- Ei... eu preciso te falar uma coisa. - disse a ele, discretamente.
- Pode falar, o que é? - ele terminava de colocar a mochila.
- Não dá pra falar aqui, é um segredo.
Esperei que todos da sala saíssem e só a professora restasse, arrumando papéis e materiais, e o puxei pela mão pelo corredor das salas da terceira série. Depois de passar por todas as portas, encontrava-se uma escada que descia à direita, levando ao térreo. Ainda depois dela, e finalizando o corredor, havia um muro baixo acompanhando um outro corredor que virava à direita e seguia até a sala de vídeo do outro bloco. Eu abaixei atrás do murinho e o puxei para abaixar também.
- O que foi? Fala. - estava meio sério a essa altura.
Um frio enorme na barriga se intensificou. Meu coração batia muito rápido. Oh, eu estava tão nervosa! Meus olhos seguiam timidamente uma única linha vermelha que atravessava seu casaco azul escuro, sobreposta apenas pelo zíper grosso, tentando ignorar o suor nas minhas mãos que começavam a tremelicar. Ainda em silêncio, os olhos levantaram até sua expressão interrogativa de espera.
Em um instante de coragem, juntei minhas forças e me inclinei em direção ao seu rosto de olhos fechados. Meus lábios tocaram sua bochecha. Era a primeira vez que eu beijava um menino.
Em câmera lenta, intensa e inocentemente, aquele toque tão próximo fazia alusão às colas e glitters que usávamos na aula de artes. Como quando passávamos uma camada fina de cola - com dificuldade, pois muitas vezes exagerávamos e o papel ficava pesado, ou melecávamos as mãos tentando ser linear - e salpicávamos aquelas partículas brilhantes coloridas no papel, de forma que elas nunca mais sairiam dali. Talvez se pudesse dizer que elas grudariam no papel de qualquer forma, por imaginações nanômicas do sentimento de uma criança, e não quisessem mais sair. Pois todos sabiam que glitters amavam papéis.
E todos sabiam que eu amava Lucas.
Quando o tempo começou a correr novamente, e eu me vi com os lábios ainda em sua bochecha, os movimentos circulares do meu estômago e a minha timidez ordenaram às minhas pernas a irem embora correndo.
Afastei-me rapidamente e em silêncio. Levantei-me e dei a volta pelo muro, descendo as escadas apressadamente. Ainda olhei uma última vez para trás. Ele observava-me descer, por trás do muro. Estava paralisado, com uma expressão de surpresa - e eu podia arriscar dizer que era de felicidade também. 
Saí da escola e corri para casa, que ficava a três quarteirões de distância. Segurava as alças da mochila enquanto saltitava mentalmente pela calçada.Um sorriso enorme se abria no rosto. Eu realmente havia feito aquilo?
Cheguei no portão de casa e vi a fina fresta entre o ferro e o batente. Puxei pela barra enferrujada, cuja superfície de tinta branca permanecia descascando a cada dia, e o portão destrancado se deslocou sem resistência para fora. O portão destrancado já era típico, eu sabia o que estava além dele.
Antes de entrar, já ouvi os comuns gritos. Passei com cautela pela porta da sala e corri em silêncio direto para o meu quarto, no andar de cima. Eu não gostava quando o papai usava aquela voz assustadora com a mamãe. Eu tinha medo. Mamãe gritava no começo, mas depois se calava - acho que tinha medo também.
Eu tranquei a porta do quarto e sentei atrás dela, abraçando os joelhos enquanto tentava não ouvir os barulhos na cozinha. Mesmo assim, ouvi dois ou três copos espatifando no chão, os vidros fazendo um ruído estridente contra o piso. Em seguida, um barulho estalado, forte e dolorido de uma mão aberta em pele exposta, seguido de um imediato som involuntário de voz feminina ejetada pelo impacto de um golpe, e logo após isso, os objetos sendo derrubados do balcão - provavelmente porque mamãe tentou segurar nele, mas caiu no chão. Ouvi, então, o mesmo barulho estalado muitas vezes consecutivas, e entre eles, pedidos desesperados, abafados e engolidos pelo choro da mamãe. Ela implorava para que ele parasse.
Por que tinha que ser assim? Por que isso sempre se repetia, desde que eu me lembrava? Por que os momentos tranquilos e felizes nunca duravam muito e se tornavam cada vez mais escassos? Por que uma culpa recaía sobre mim, por acreditar fazer os dois brigarem daquele jeito?
Tão culpada...
Abri minha mochila e de lá peguei a caixinha de florzinhas verdes. Retirei dela o cisne de cristal e o olhei através das lágrimas que tornavam minha visão completamente embaçada. Os tapas então cessaram, só restando um fino choramingo na cozinha. Ouvi então papai subindo as escadas. Segurei com força o cisne. A cada passo lento dele no corredor, meu medo aumentava. Senti sua presença esmagadora por trás da porta.
Uma batida forte.
Fechei meus olhos e segurei o choro.
Outra batida mais forte.
Abracei o pequeno cisne, encostando-o em meu peito.
Terceira batida. Ele iria derrubar a porta se eu mesma não abrisse.
Mas eu não ia abrir.

segunda-feira, 7 de janeiro de 2019

Lascívia



Quando percebi, lábios vermelhos e sanguinolentos há muito já amarravam minha cintura. Apertavam as costelas.
Laceravam-me.
São lábios voluptuosos, olhos lascivos. As mãos angelicais percorrem todas as nuances dos meus caminhos. A cada toque, cáustico. Ela sorve da minha saliva com a ponta dos dedos. Traça paradoxos em meus ombros. Desce esguia pelos meus seios, envolvendo terras íngremes com as mãos inteiras. Ligeira, não tem pressa. Demora-se a se acelerar.
É como um mundo então vira, em órbitas revoltas de magnetismo obsceno. Mordaz.
É como se consome um múltiplo ser, corrói e digere a carne fresca.
Minhas coxas não têm forças para se aproximarem uma da outra. Ela se aproveita do espaço para terminar a descida. Os dedos certeiros se entocam, para dentro e para fora. Ela cria linhas irregulares, moles e delirantes. Ela desenha círculos e arabescos com a língua. Ela faz chover sobre a terra úmida, evaporando cada gota logo em seguida, em seu próprio tempo desconexo.
O prazer é irrefreável, insuportável, irresistível.
Os dedos saem como cortes profundos na pele. Ela sobe sem desencostar a língua. Percorre. Sobe, como cobras que começam a cantar. E fere.
Lúbrica.
Ela se deita sobre mim. Seus seios se encontram com os meus, deslizando um sobre o outro, para cima e para baixo. Suas coxas se entrelaçam com as minhas, apertando-se e molhando-se em cada ondulação concupiscente. Pele sobre a pele.
Entretanto, sinto.
Sinto o pulsar da constrição dos meus órgãos. Sinto os nós que envolvem cada articulação.
Sinto os olhos lascivos cortarem minha respiração. Tento buscar o ar, mas ele não alcança os pulmões. Ela se deleita. Minhas mãos procuram o sangue que escorre das minhas costelas, dos lábios voluptuosos. Ela pulsa.
Não consigo aguentar. Preciso de ar.
Ela goza.
E, a cada contração, perco um pouco mais de mim.



Eu tenho medo do que resta.

Mas esta.
É a última vez.