segunda-feira, 19 de março de 2018

Fique Aqui



Eu não me lembro das nuvens serem tão densas. Elas se enrolam e se contorcem, como se o céu perecesse. Profundo, barulhento. Meus olhos não são capazes de qualquer movimento, que não seja o seguir hipnótico das manchas brancas loucas e esvoaçantes. Talvez pudessem ser asas, se eu soubesse como vesti-las. Ou talvez estivessem perdidas. Cansadas, como um lobo no meio da neve.

As águas sob minhas costas são de um ondular constante. Correntes de força descomunal correm atrás de mim, cruzando-se em caminhos marítimos longínquos. Mas elas não me atingem. Não, movimentam-se o mais profundamente que conseguem, para que sua força suba, e suba, e suba, e canse, e canse, até o limiar da superfície, onde não passam de balanceios quase imperceptíveis. Ondulações.

Em seus movimentos, cobras de água rastejam por cima de mim. Meu pescoço, minhas costelas, boca, orelhas. São geladas. Insípidas. A cada segundo, cada batida, como um metrônomo. Não preciso fechar os olhos, não quero. Eu sei que as cobras começarão a cantar.

E tenho medo.

Meus braços doem. Seguro algo com força, com toda a minha vida. Eles doem.

Não. Não são eles que doem.

Solto o que estava segurando. Uma ave se desvencilha da dor da constrição, e voa em direção às nuvens bagunçadas. Uma ave cor de almíscar, de bosque e de sol. Ela voa, e seu voo se mistura à todas as nuvens e todas as correntes e todas as águas, numa dança descoordenada e perfeita.

Agora, abraço as águas.

Deixo meu corpo ser submergido pelo oceano. Deixo o azul gélido se dissolver no veículo da minha alma.

E o deixo ir.