quinta-feira, 28 de julho de 2016

Perseguindo o Dragão




Aqui permaneço, eternamente. Um pesadelo infinito que me aprisiona, um templo em ruínas. O céu é vermelho, como se o sol estivesse sangrando. Eu tento não olhar para cima, para não me lembrar que eu mesma estou sangrando. Sempre estive.
Subo as escadas à minha frente. Degraus de pedra a se perder de vista. Meu vestido em farrapos ainda tem a mesma cor laranja, desbotada depois de vivenciar dia após dia o mesmo percurso sem fim. Correntes presas aos meu pulsos se arrastam atrás de mim, elas são pesadas e dolorosas, cada elo mostrando o número de vezes que o pesadelo recomeça e se repete. As escadas se acabam, enfim, e fico diante de uma fonte envelhecida. Dentro dela, a água azulada sussurra em minha mente o que fazer. Há cacos espalhados pelo chão, todos os vasos de cerâmica e pedra estilhaçados furiosamente. Pego um pedaço afiado, e corto minha própria mão, deixando o sangue escorrer dentro da fonte, esvoaçando no azul da água, e o sangue me revela o que eu incessantemente busco. Fios azuis de luz emergem da água e formam arabescos diante dos meus olhos. A imagem que se forma desperta o melhor em mim, ou pelo menos o que resta de mim.
Ele. Sua alma. Magnífica e acolhedora. A alma que não consigo alcançar, a alma à qual me agarrei com todas as forças, mas que, sem força, deixei se esvair. Eu esqueço que estou em um pesadelo, tudo o que existe naquele momento são seus olhos entristecidos direcionados a mim. Eu quero tocá-lo, eu preciso tocá-lo. Porém, sua alma se dissipa assim que meus dedos o tocam. Um toque tão frio... Eu não quero que ele se vá novamente, desesperada tento agarrá-lo novamente, mas os fios se esfumaçam em meus braços, tirando novamente o que tem de melhor em mim.
Pergunto-me quantas vezes isso se repetiu. Todas as vezes eu sempre esqueço que acabará da mesma forma, todas as vezes eu me apaixono de novo por uma ilusão, todas as vezes acredito que ela é real, e todas as vezes o desespero de me perder toma conta de mim. Minha insanidade foi o que me restou, só isso.
Caminho, sem vida, por aquele templo, arrastando as correntes. Mais uma vez, eu não me lembro o que há no final do caminho, mas não tenho medo, eu não tenho mais nada a perder. Ando por minutos que parecem dias, o tempo não é meu aliado. A cada passo, sinto que despedaço, numa dor pulsante que insiste em me ferir sem descanso. Sinto fome, sinto frio, mas não há como me satisfazer dentro da minha própria loucura.
Chego a um abismo que me convida a me entregar. No fundo, um mar de mãos se emaranhando em movimentos de súplica. Eu não reluto, e deixo o abismo me levar, soltando meu corpo em sua beirada e caindo sem me importar com minha dolorosa existência. As mãos do fundo me pegam, me seguram e me puxam para baixo, afogando-me em meu próprio desespero. A agonia ameniza, e eu abro meus olhos.
Aqui permaneço, eternamente. O pesadelo recomeça, me devolvendo na beira da escada. Eu olho para minhas mãos, e me aterrorizo com as cicatrizes de cortes, marcadas por minhas tentativas frustradas de fugir de mim mesma, desse templo que me constitui, dessa loucura que corrompeu minha mente. As cicatrizes me enfurecem. Não existe mais espaço em mim para suportar essa maldição!
Lágrimas amargas de raiva e angústia irrompem pelos meus olhos. Eu subo as escadas correndo, ignorando a dor e o peso das correntes, e a fonte está no mesmo lugar, vasos de cerâmica e pedra decorando todo o recinto. A raiva me consome, minha cabeça queima. Eu grito e derrubo com fúria todos os vasos, jogando-os e quebrando-os, e os cacos se espalham pelo chão. Giro as correntes, e elas derrubam colunas que se erguiam sob o céu vermelho. Na minha ira, levanto as correntes e as jogo sobre a fonte, que se destrói. Um impulso e uma cor azul são libertados, e os fios de luz voam, livres. Então eu me lembro o que há no fim do caminho. O abismo.
Eu corro, com a esperança que havia me deixado há muito tempo, perseguindo os fios que voam rapidamente em direção ao fim. Eu avisto o abismo, e sem hesitar, pulo.
O céu se torna azul noturno, meu vestido esvoaçante se torna alvo. Sinto a loucura desprender de minha mente, permitindo um sentimento que há muito tempo não conhecia mais. Liberdade.
Minha queda é suave, lenta e calma. O vento contra mim seca minhas lágrimas. Atinjo a água como quem deita em plumas, afundando levemente sob a luz da lua. Dessa vez, a agonia é doce. Fecho os olhos, deixando minha vida afundar com meu corpo.
Minha alma pura deixa meu recipiente doente. Flutuo em direção a outra alma, em direção ao que me faltava, o que eu buscava e alcancei. Ele me envolve com seus braços calorosos, e seus olhos me olham com amor. Eu o beijo, e mato então tudo de ruim que havia crescido em mim.
Estávamos livres.