quinta-feira, 25 de agosto de 2016

Sonho nº. 11 - Evaporar pt. 3

Fazia muito frio e a casa estava bem escura, como naqueles dias em que tudo fica meio marrom e cinza e só se vê o ar quente condensando quando você fala, ou a fumaça do chá.
Ele estava lá, com aqueles olhos azuis brilhantes e aquele sorriso malicioso. Vestia uma blusa cinza esportiva e luvas. Era estranho vê-lo com qualquer roupa que não fosse seu solene terno.
- Você aqui!
Eu abri um largo sorriso, mal podia acreditar. Era estranho como ele só se dirigia a mim quando estávamos sozinhos... Tantas vezes o vi no corredor, ele me lançava olhares e eu os retribuía, porque ambos somos iguais: não gostamos de dar bom dia. Mas nunca uma só palavra. O orgulho de seu posto era maior.
Mas no fundo eu sabia que ele gostava de mim, mesmo que só demonstrasse isso esporadicamente. Fiquei sabendo que ele me citou como exemplo outro dia, mas ele jamais mencionara meu nome - talvez por medo de me reconhecerem (e mal sabe que o fizeram...)
- Quanto tempo! Como você está? - retribuí com um abraço apertado.
Ele me olhou e ajeitou os cabelos com as costas da mão, apoiando o mindinho nos fios cheios de gel. E que saudade que eu tinha disso.
Conversamos por algum tempo, mas eu notei que seus olhos não paravam nos meus, insistentemente fixados para baixo. Eu contava a ele sobre meus projetos, e então ele me interrompeu, com sua voz imperiosa:
- Será que você pode puxar seu zíper?
Eu abaixei os olhos, notei que o zíper de minha blusa tinha abaixado levemente. O decote sutil desenhava-me um coração no colo. 
Ruborizada, toquei no pingente e comecei a puxá-lo para cima. Sua mão pesada e quente me tocou, puxando-o para baixo.
Meu coração acelerou e entalou em minha garganta, e o zíper descia em câmera lenta, mas eu estava paralisada e chocada demais para me manifestar.
.
.
.
Ou talvez eu tivesse medo de saber qual seria a minha manifestação.
...
...
O zíper finalmente chegou ao fim, momento em que senti a temperatura externa congelante em minha pele. Eu mal respirava, mantinha meu olhar baixo e sentia meus pelos arrepiarem - frio, medo, vergonha, ansiedade?
Sua voz majestosa novamente me interrompeu do transe:
- Linda, tão linda. Uma pena que não posso tê-la.
Ele aproximou os dedos de mim, e eu fechei os olhos com toda a força que eu poderia. E então, senti um impacto forte no lado direito.
Abri os olhos. Um punhal. Eu via o sangue escorrendo, mas a dor ainda não se manifestara.
Meus olhos marejaram.
Por quê?
E então, deixei-me levar pelo pânico - momento em que a dor realmente apareceu. Caí no chão, atônita. Tudo escurecia, quase como se eu fosse desmaiar.
A última coisa que vi?
Seus olhos azuis, tão marejados quanto os meus.