quarta-feira, 3 de agosto de 2016

Espinhos



(Esse texto é a continuação de ~Labirinto~)

Em meio ao anoitecer na floresta, eu fechava meus olhos e tentava esvaziar completamente minha mente. Eu tinha medo da noite. Ela nunca trazia coisas boas.
Abri meus olhos. A fogueira no centro trepidava, branda. O lobo castanho permanecia ali, na clareira, fazendo-me companhia, porém estava deitado, caindo em um sono inevitável, depois de esperar-me acordado por tanto tempo. Era lindo e aconchegante observá-lo dormir.
Não foi preciso muito tempo até que um vento forte viesse de repente e apagasse a fogueira que protegia-nos noite adentro. Eu olhei para o lobo, mas ele continuava dormindo.
Não consegui evitar que o pavor me tomasse.
Uma energia sombria começou a inundar-me. Ela exerceu sobre mim um hipnotismo e um controle da minha mente, contra o qual eu não tinha forças para lutar. Simplesmente sucumbi, sendo tocada por uma sensação fria e aterradora.
Levantei-me. Uma força obrigou-me a me virar para a saída da clareira. Olhei uma última vez para o lobo adormecido enquanto meus olhos puderam alcançá-lo.
Minhas pernas começaram a se arrastar sozinhas, levando-me para entre as árvores por um caminho escuro sinuoso. A energia sombria apertava minha carne com sua intensidade, e uma dormência tomava todo o meu corpo. Quanto mais eu andava, menos eu conseguia sentir a luz da lua me tocar. Corujas conversavam entre si sobre os galhos das árvores altas, mas era impossível de localiza-las. A pele exposta das minhas pernas era cruelmente afligida pelos espinhos dos arbustos baixos que seguiam por toda a extensão de onde eu caminhava. Os arranhões fundos doíam, mas o pavor que se instalara em mim tornava a dor quase imperceptível.
Depois de horas de um caminhar lento, pude distinguir algo por trás das folhas e troncos. Mesmo na escuridão, era possível se ver.
Uma parede de pedras tomada por musgo. Uma entrada ornamentada com arabescos de espinhos.
Não.
NÃO.
Eu não voltaria para aquele lugar!
Fiz toda a força que pude para mover minhas pernas para outro rumo, ou para simplesmente pará-las. O hipnotismo era profundo. Nenhum esforço meu era mais forte do que o controle exercido pela energia sombria. A dormência no meu corpo aumentou, eu quase não sentia meus membros. Eu me debatia internamente, e lágrimas de desespero não puderam ser impedidas de correrem ardentes dos meus olhos.
Por que eu sempre me permitia voltar para lá?
A poucos passos da entrada, minha mente exausta não teve mais forças para se debater. E eu me entreguei.
Por que eu sempre me permitia entregar-me?
Um tremor distante intermitava no solo. Um farfalhar de folhas longinquo se aproximava rapidamente. Um rosnado forte ecoou por toda a noite e me fez respirar profundamente.
Minhas pernas pararam. Fui obrigada a virar-me para trás. O lobo vinha com velocidade, e em menos de um segundo surgiu dos arbustos e saltou sobre mim, derrubando-me com brutalidade no chão. Ele manteve suas patas pesadas sobre mim, suas presas à mostra. Rosnou com intensidade mais uma vez, e a energia sombria simplesmente se esvaiu de mim e pareceu voar para longe, como um vento frio, afugentada pelo seu calor. A dormência sumiu e pude controlar meu corpo novamente.
O lobo escondeu as presas e me olhou com tristeza. Suas pernas estavam completamente arranhadas pelo caminho espinhoso, e o sangue escorria sobre os pêlos densos.
Ele deu espaço para que eu me levantasse, mas eu me desequilibrava. Os cortes agora doíam mais.
“Suba em minhas costas”, eu pareci ouvi-lo dizer em minha mente.
Eu subi e me aninhei em seus pelos, escondendo meu rosto em seu dorso.
Eu estava desolada e envergonhada demais para qualquer pedido de perdão. Agarrei-me a seu corpo enquanto ele corria para dentro da floresta novamente.
Eu nunca me perdoaria por causá-lo tanta dor.