terça-feira, 11 de abril de 2017

Metades



Era junho. Fazia frio e os ossos doíam como o coração partido que batia no meu peito, mas eu não queria que soubesse que a vermelhidão nas maçãs do meu rosto não era um efeito do clima. Eu tinha decidido que não ia mais me envolver, mas no meu interior eu sabia que eu ia, porque eu SEMPRE deixo de cumprir as coisas, eu não as deixo pela metade mas ao mesmo tempo não existe fidelidade nas minhas palavras e ações. Procurei por alimento, uma bebida quente. A música animada no fundo fazia as minhas veias comprimirem ainda mais, o sangue corria depressa e eu não sentia nada, senão um vazio imenso dentro do peito. Eu chorava e ele viu. Saudoso, carinhoso, ele posicionou as mãos em meu quadril. A música tocava cada vez mais alto e ele me arrastou pelas mãos na rua, acariciando meu cabelo. Ele me beijava. De início, eu sentia a ternura, mas o meu coração doía, negava. Atravessei a rua de volta, ele me seguiu. Fiquei de lado, a música estourando meus tímpanos. Procurei abrigo. Senti as mãos em meu quadril, movendo-se para meus braços, os dedos entrelaçados. Eu encolhi e experimentei a violenta reação. Congelei. A porta se fechou. A janela não se abria. Os beijos já não eram carinhosos. Havia lascívia em cada toque, desabotoando avidamente a camisa de seda. Eu negava, mas a voz não saía. A minha pouca força já não era suficiente para suprimir o medo. Eu estremecia com o toque dos dedos gelados em minha pele, o semblante maldoso, lascivo, imperioso, triunfante. E o meu asco. A negativa era persistente e muda aos ouvidos dele, meus olhos se fechavam e eu só conseguia relembrar os detalhes, como se eu me obrigasse a reviver aquele momento para sempre, porque eu merecia, porque eu SEMPRE deixo de cumprir as coisas, eu não as deixo pela metade, mas, ali, eu me deixei.