segunda-feira, 9 de julho de 2018

Questão de perspectiva



Eram tempos obscuros.
O sol quase não brilhava e as nuvens estavam sempre pairando no céu. O verde deu lugar ao âmbar e ao ocre e não mais se ouviram os passarinhos.
E lá eu me encontrava, buscando manter a esperança, dizendo a mim mesma que era tudo questão de perspectiva, e que a infelicidade era apenas uma questão de prefixo.
Andarilha que me tornei, sabia que nem todos os dias seriam suportáveis, então criei uma rotina para não enlouquecer, ainda que muitas vezes a loucura se manifestasse através do desgaste da repetição.
Naquele dia, o vento, estranhamente, soprou. As folhas cor de fogo voaram em direção ao norte. Quase que instintivamente, eu as segui.
Em meio ao campo aberto, um único ponto de luz. Um único feixe de sol, circular. Desesperada, corri até o ponto luminoso, sentei-me. Meus dedos automaticamente se conectaram, formando o símbolo do infinito. Fechei os olhos e me entreguei ao calor.
Ouvi, então, água corrente. Eu já tinha apagado as memórias de qualquer elemento que pudesse indicar qualquer sinal de vida. Cruel, talvez. Mas, de certo, uma forma de não criar expectativas.
Maravilhada, eu ouvia atentamente a água batendo nas pedras. Eu salivava. Levantei-me. Ainda de olhos fechados, guiei-me pelo som que tanto acalentava meus ouvidos. Senti o molhado em meus pés cansados. Por um segundo quase infinito, provei a intensa sensação de alívio, interrompida pelo desagradável som de passos. E antes mesmo que eu pudesse ter a chance de abrir os olhos, senti a cabeça pesar e doer, aguda e cronicamente, simultâneos. Apaguei.
Abri os olhos. Não podia me mover. Observei atentamente o ambiente hostil ao meu redor e identifiquei a sombra responsável pelo blackout.
Ele se aproximou, sem dizer nada, apenas observando atentamente. Eu, por outro lado, apenas chorava: o medo me paralisava.
Mais deles se aproximavam, todos os olhares surpresos e ameaçadores.
Aqueles olhares queimavam cada milímetro do meu ser, quase como se cada célula dentro de mim desintegrasse. Eu ouvia meu coração latejar, pulsar, gritar, implorar.
Mas eles continuavam olhando. Fortes. Persistentes. Intensos.
Os grandes olhos me devoravam, me violavam, quase como se eu fosse o sol mais brilhante e ansiosamente aguardado no dia mais frio de inverno, como se eu pudesse transformar o âmbar e o ocre no tão sonhado verde vivo, como se meu choro soasse como o canto dos passarinhos.
E então, despertei: não era uma questão de perspectiva.
Não era uma questão de prefixo.
A dor era real.
E me consumiu.