segunda-feira, 19 de outubro de 2015

Sonho nº. 7 - Evaporar


Escurecia. Ela acabara de deixar o prédio quando ele a abordou:
- Parabéns pela sua conquista. Se precisar de alguma coisa, me avise.
Sem se despedir, ele seguiu seu caminho, carregando a pasta marrom de couro pesada.
Ela verificou as horas no celular e partiu, a caminho do transporte. A rua estava vazia, os pingentes de sua bolsa tintilavam.
Ele, à frente, instintivamente virou-se e a avistou:
- Para onde você vai?
- Por aqui - ela apontou. Neste momento, a rua reviveu e dezenas de carros a atravessavam.
- Eu te dou uma carona - Ele disse, segurando-a pelo braço para atravessar a rua. O vento gerado pela velocidade dos carros era feroz, mas ela mal notou: ela só o observava, triunfante, heroico.
Pararam à frente de um Lancer preto. Ele sentou-se e afrouxou a gravata. Ajeitou o cabelo do jeito que sempre fazia, com a lateral da mão, apoiando com o dedo mínimo.
- Você vai para onde? - perguntou, ríspido.
- Vou para a estação 5 - respondeu, timidamente.
Ele acelerou.
Passaram todo o caminho em silêncio.
Ele estacionou o carro e soltou um "vou com você" quase inaudível.
Eles se sentaram no primeiro vagão, praticamente vazio. Mesmo com a sensação de incerteza, ele tocou a mão dela, como se tentasse transmitir sentimentos pelo tato. Em um instante, sem saber como, ela se viu sentada em seu colo, mas seus olhos mal se cruzaram.
Ao soar da campainha, eles desceram.
Ela foi andando na frente, mas seus pés eram lentos e seus passos, curtos. Ela esperava que ele a puxasse pela mão. Arriscou, então, olhar para trás.
Ele não estava lá.
Desesperada, ela correu os olhos pelo vagão, e lá estava ele: semblante petrificado, sério, ajeitando a gravata, como se os momentos imediatamente anteriores tivessem evaporado e se misturado com a fumaça do trem.