quarta-feira, 28 de outubro de 2015

Sonho n°. 8 - Evaporar pt. 2


Novamente, lá estava ele na sala vazia. Ouvia-se o som dos ventiladores que balançavam suavemente as cortinas da parede à direita da sala, repleta de janelas grandes de vidro, através das quais avistava-se o pôr do sol. Da porta, era possível vê-lo de costas, admirando a paisagem que mesclava o degradê de cinzas e os tons alaranjados e amarelados com pinceladas pêssego que pareciam ser feitas manualmente. Ela entrou silenciosamente na sala, observando-o suspirar ao colocar a pasta pesada de couro na mesa.
- O material está na mesa, você tem 50 minutos - ele disse repentinamente com rispidez.
Ela sentou-se e correu os olhos pelas folhas. Imergiu em pensamentos quando sentiu como se alguém a observasse. Ao levantar o semblante, os olhares se cruzaram. Naquele momento, o som dos ventiladores tornou-se abafado, quase como se o canal auditivo estivesse bloqueado. Ela lutava para abaixar o olhar e retornar à leitura, mas a força existente naqueles olhos a prendia como gravidade. Ainda presos, o som foi retornando e só então ela percebeu que ele balançava a caixinha de balas que ele sempre carregava. Ao fundo, ouvia-se o som agudo das rodas de um carrinho, provavelmente devido à falta de óleo. O som agudo perturbava os ouvidos dela, que estremecia ao passo que o carrinho parecia se aproximar.
- Você tem aflição? - Ele sorriu.
Ela assentiu com a cabeça. O sorriso dele transformou-se, um tanto quanto malicioso, sádico.
- Eu ADORO esses sons irritantes.
A intensidade com que ele proferiu "adoro" parecia ecoar pela sala, tornando a atmosfera tensa. Ele a encarava, ainda com aqueles olhos indecifráveis. Ele se levantou e começou a andar, aproximando-se dela lentamente, olhos fixos. O som da sola dos sapatos no piso parecia cada vez mais alto nos ouvidos dela, enquanto seu coração acelerava cada vez mais. Ele inclinou-se, como se fosse pronunciar algo em seus ouvidos. Ela ofegava. Ele tocou seus ombros. Ela suava. A boca dele se aproximava de seus ouvidos. Ela cerrou os olhos com força por alguns segundos.
Nada.
Nenhum sussurro, apenas o som suave do ventilador.
Ela abriu os olhos, a sala estava vazia. A pasta pesada de couro não estava mais sobre a mesa. Na janela, a lua brilhava, mais intensa, mais próxima, mais forte.
Cegava.