quinta-feira, 3 de setembro de 2015

Angelus (parte 10)



- O que aconteceu com você, Amelie? - Guilherme questionou ao ver o machucado em minha boca.
- Não foi nada de mais.
- Conte-me. - ele insistiu.
- Bom - eu bufei - Dei uma surra em dois possuídos que estavam me seguindo.
Sua expressão ao parecer não acreditar me fez dar risada.
- A essa altura, você ainda acha que não sou párea para esses filhos da mãe?
Eu fui até ele, que estava largado no sofá, e me joguei com ele, deitando sobre seu peito.
- Guilherme, eu os livrei. Os homens... voltaram a ser humanos, quando matei os demônios dentro deles.
Percebi um lampejo de alegria em seus olhos enquanto ele me envolvia com os braços.
- Sério? Isso... é muito bom.
- Eu estou muito feliz por ter feito isso. - de fato, eu estava mesmo, e ele parecia estar ainda mais.
- Isso é tão estranho. - murmurou.
- O que?
- Eu me sentir feliz porque você está feliz.
- Isso chama-se paixão.
- Não. Isso chama-se amor.
Todo o ritmo em mim perdeu-se naquele instante. Minha respiração, meu coração, minha mente. Tentei conter um sorriso enorme mordendo o lábio inferior.
- Eu amo você, Amelie.
Nossos corações estavam encostados um no outro, e eu podia senti-los debatendo-se juntos. Nossos olhos caminhavam entre si até o profundo esvoaçar de nossas almas. Era impossível conter o magnetismo que nos prendia, sem relutância levando nossos lábios a se encontrarem. Beijamo-nos com fervor. Meus olhos se fecharam, meus dedos entraram por entre seus cabelos e os seguraram, puxando-o ainda mais contra mim. Suas mãos percorriam-me e apertavam-me contra ele. O calor que crescia através do beijo ia tomando cada parte do meu corpo, até que começasse a quase me sufocar, e eu não consegui controlar mais nada em mim.
Ele se sentou no sofá comigo no seu colo, se levantou me segurando e me levantando com ele. Cruzei minhas pernas envolta de sua cintura e meus braços ao redor de seu pescoço. Sem parar de me beijar, levou-me até seu quarto.
Apesar do dia irradiar lá fora, o ambiente permanecia pouco iluminado por conta da janela fechada. Guilherme colocou-me em sua cama, ficando por cima. Eu não o larguei, beijando-o com cada vez mais intensidade e estampando minha vontade de tê-lo para mim. A temperatura entre nós subia a cada segundo. Ele só separou seus lábios dos meus para tirar rapidamente a camisa, levando-os em seguida ao meu pescoço. Agarrei seus cabelos novamente, e com a outra mão correei suas costas, sentindo várias cicatrizes que no momento não foram perceptíveis. Eu movi os braços e ele deu espaço para que eu tirasse minha camiseta. O magnetismo impedia-me de manter minha boca longe da dele por mais de um segundo. Voltei a beijá-lo loucamente, sentindo-o, em meio ao beijo, desprendendo meu sutiã. Guilherme deslizou a mão por meus ombros, acariciando meus seios, minha barriga e descendo até minha coxa. Eu ardia em desejo.
Minha parte racional então desligou, para que eu pudesse imergir com intensidade. Para que dois corações desritmados e loucos se tornassem um só. Para que eu me permitisse, completa e simplesmente, vivê-lo.

[...]

Sob o lençol que nos cobria, eu ainda o abraçava, recusando-me a permitir que o magnetismo desaparecesse. Eu o acariciava, sentindo as várias cicatrizes por seu corpo. Em minha cabeça, tudo o que se passava era o sentimento que me preenchia estando tão perto dele.
Eu o amava. E repetiria isso mil vezes a mim mesma se pudesse.
Observei as paredes do seu quarto, praticamente fechadas por folhas desenhadas grudadas ali irregularmente. Desenhos sombrios, mas muito bem feitos e detalhados, e que pareciam por vezes tocar o fundo de minha alma, e outras despertar um leve medo inexplicável. Entre eles, uma folha branca apenas com o desenho de uma mulher de costas. Embora não se pudesse ver seu rosto, eu parecia conhecê-la de alguma forma.
- Todos os desenhos foi você quem fez?
- Sim.
- E quem é aquela?
- Eu não sei.
Seu incômodo surgiu novamente. Talvez fosse a mulher que lhe havia dado a chave, e era um mistério o motivo pelo qual ele não gostava nem um pouco de tocar no assunto. Mais uma vez, eu deixei pra lá,  voltando ao silêncio tão encantador que nos envolvia.
O momento de tranquilidade foi interrompido com uma reação súbita de Guilherme a algo que eu não sabia o que era. Como se tivesse acabado de despertar de um pesadelo, impulsionou-se para frente e tomou fôlego como se seus pulmões estivessem vazios. Eu olhei para ele, preocupada. Seus olhos estavam assustados e vagos, e posso jurar que o verde brilhante oscilava com cada pulsação de seu sangue.
- O que aconteceu? Você está bem?
Guilherme virou-se para mim. Seus olhos voltaram ao normal depois que ele os piscou, mas ainda estavam um pouco assustados. Ele não disse nada. Apenas levantou-se da cama e espiou o quintal por uma das frestas da janela.
- Fale comigo! - chamei sua atenção.
- Eu tive... outra visão.
- E o que você viu?
Novamente ficou calado. Ele saiu do quarto a passos largos e foi em direção à sala.
- Merda. -  ouvi-o dizer.
Voltou quase imediatamente, pegou minhas roupas espalhadas pelo chão e jogou-as para mim.
- Vista-se.
- O que está havendo?
- Eles estão aí fora.
Ele colocou sua camisa e sua calça com rapidez. Eu fiz o mesmo. Segui-o para fora do quarto até a sala e, curiosa pra ver o que estava acontecendo, enquanto ele rapidamente pensava no que fazer, olhei pela janela. Não fui capaz de ver nada, nem entre as árvores do outro lado da rua.
- Venha Amelie, rápido!
Guilherme me puxou pelo braço até o corredor.
- O que está havendo, Guilherme?
- Olha, nós precisamos sair daqui. Eu tenho um refúgio que podemos usar, pelo menos esta noite e a próxima. Pode parecer que estamos seguros aqui dentro, mas o sal não irá contê-los dessa vez.
- E você acha que ir para esse lugar será mais seguro? Se o sal não vai segurá-los, não existe um refúgio de fato.
- É a unica chance que temos. Confie em mim.
É claro que eu confiava nele.
Saímos da casa apenas com as roupas do corpo. Nós entramos no carro com pressa, ele olhou para os lados, girou a chave no contato e acelerou para a estrada.
Ver Guilherme daquele jeito me assustava. Ele não costumava demonstrar o que sentia, e nesse momento, não parecia ser possível mascarar o que estava mexendo com ele.
Ele estava com medo? O que ele tinha visto, afinal?
O clima estava tenso. Eu não queria perguntar novamente a ele, não sei se por medo do que seria, ou para poupá-lo de ter que me explicar algo que o atingiu de uma forma tão perturbadora.
Depois de cinco minutos de silêncio, avançando em direção ao norte da cidade, avistei alguma coisa no meio da rua, bem distante. Ao se aproximar mais um pouco, deduzo ser uma pessoa, parada, posicionada bem no centro da estrada e de frente para nós.
- Guilherme, o que é aquilo?
Ele também estava tentando distinguir quem ou o que era. Entretanto, não houve tempo para descobrir.
O ser, ainda distante, estendeu o braço em nossa direção. No mesmo instante, uma força descomunal invisível fez o carro derrapar bruscamente. A traseira foi trazida para frente. O veículo virou de súbito, capotando para fora do asfalto. Meu instinto fez com que eu nos envolvesse em um escudo de luz. Eu sabia que ele não nos manteria intactos, mas ao menos eu esperava que ele protegesse nossas vidas. Em meio ao mato alto, rolamos por uma descida com voltas violentas que pressionavam e contorciam a lataria. O vidro do para-brisa se estilhaçava com o impacto. Eu sentia alguns dos cacos me cortarem.
A última coisa que pensei foi em Guilherme. Meu cérebro não permitiu que meus sentidos presenciassem mais nada.
Um apagão repentino então me atingiu.