terça-feira, 8 de setembro de 2015

Angelus (parte 11)



Ruídos que pareciam longínquos ecoavam em minha cabeça. Por um momento de consciência, vi através dos meus olhos entreabertos Guilherme lutando com demônios. Eu estava deitada em um chão de terra coberto por folhas secas, e as sombras das copas que balançavam sobre mim começavam a ser abaçanadas pelo início de noite. Eram tantos demônios ao redor dele que, aliada à confusão e à tontura de minha mente, eu poderia acreditar que aquela cena não passava de um sonho.
Meus olhos foram obrigados a se fechar novamente, caindo na mesma escuridão da qual eu havia acabado de sair.
Fui despertar definitivamente apenas com um balançar em ritmo de passos irregulares. Abri os olhos lentamente, Guilherme carregava-me no colo, mancando. Direcionou-me seu olhar assim que me percebeu acordada.
- Amelie... - murmurou, aliviado.
Sangue escorria em seu rosto, mas o mel em seus olhos foram um deleite para mim. Por um instante, eu tive medo de que minha luz falhasse e ele não tivesse sobrevivido.
Ele parou de andar e colocou-me com cuidado no chão. Cambaleei, ainda um pouco tonta. Minha cabeça doía. Levei a mão até ela, senti um ferimento na lateral que mostrava exatamente o que havia feito eu desmaiar. Minhas roupas tinham alguns rasgos e estavam sujas de sangue, assim como as dele. À minha volta, uma floresta com árvores espaçadas umas das outras albergava a noite obscura.
- O que estamos fazendo aqui? - perguntei.
- Os demônios nos encurralaram. Eram numerosos, acabaram nos empurrando para dentro da floresta. Fiz o possível para acabar com eles antes que nos distanciássemos muito da estrada. Estou voltando para lá, para a saída.
Deu um tempo, e depois suspirou.
- Perdoe-me, Amelie.
Eu o olhei, calada.
- Eu quis fugir do destino, e acabei correndo direto para ele.
- Ele viria de encontro conosco, não importa o que você tivesse feito. Não há o que ser perdoado.
Parei de andar. Toquei em seu rosto e olhei em seus olhos, que tinham vestígios de aflição.
- Não se preocupe com isso. Não importa onde seja, eu me sinto protegida com você. - cedi e sorri para tranquilizá-lo, mas aparentemente em vão.
Guilherme abraçou-me de uma forma tão intensa que pude sentir o peso que ele estava tentando manter imperceptível.
Continuamos a caminhar para fora dali. Já podíamos avistar a clareira da descida por onde o carro capotou iluminada pela lua. Contudo, fomos interrompidos por um barulho estrondoso semelhante a um trovão. Quando dei por mim, um ser estranho, porém majestoso, estava nos aguardando, parado a poucos metros de nós.
Ele possuía o corpo de um humano alto e magro e cabelos pretos comuns na altura da orelha, mas sua pele era cinza, suas unhas negras e pontiagudas e seus olhos endemoniados sem íris eram brancos. Chifres escuros levantavam-se de suas têmporas a uma altura acima de sua cabeça. Uma cauda pontuda balançava atrás de seu corpo. Sua presença intimidava de tal forma que, primeiramente, não pude olhá-lo diretamente. Sustentava uma postura arrogante, demonstrando considerar-se superior à tudo ali. Posso afirmar que era o mesmo ser que exercera a força invisível em direção ao carro. Sem dúvida nenhuma, um demônio extremamente poderoso.
- Quando vou aprender a não colocar legiões inferiores para efetuar o trabalho... - sua voz imponente desdenhou, aparentemente falando consigo mesmo - Se quer algo bem feito, faça você mesmo.
- Dantalion... - Guilherme não soube esconder o assombro.
- Vejo que se lembra de mim, criança.
- Continua sendo o "cachorrinho adestrado" de seu mestre? - ele provocou.
- Não creio que estejas na posição de me insultar. - olhou-o dos pés à cabeça - Eu sinto o cheiro do teu medo, eu vejo as tuas lembranças. - o demônio suspirou profundamente, mostrando-se em êxtase - Ah! Como eu aprecio esta cena memorável! Aqueles dois repugnantes atochados de amor, sangrando sob meus pés... Suas almas renderam-me uma ótima promoção, diga-se de passagem. E como se esquecer da bela garotinha...
- Cale a boca! - sua voz foi tomada pela raiva.
- Ora, para onde foi toda a tua cautela com o ódio, Guilherme? - sorriu - Estarias fazendo companhia à tua querida família no inferno, se não fosse aquela miserável ter te tirado de lá... Então não culpe a mim - ele fez uma ironia mórbida.
O diálogo entre os dois causaria-me mistério, se eu não estivesse completamente preocupada com a situação. Guilherme fazia uma força absurda para neutralizar o ódio dentro de si mesmo.
- Bom, eu estou aqui para buscá-la - Dantalion olhou para mim - E é isso que farei.
Imediatamente, preparei a luz por todo o meu corpo, para lutar com ele. Em questão de um segundo, vi Guilherme partir pra cima de Dantalion para tentar golpeá-lo, porém o demônio permaneceu imóvel e bloqueou seu soco com uma mão, ainda olhando para mim. Guilherme o prendeu em uma ilusão e então Dantalion me perdeu de vista.
- Esqueceste de que compartilhamos do mesmo poder, criança?
- Não. São muito diferentes.
- Tens razão. O meu é superior.
Percebi um nível diferente de universo entre os dois. Ambos não pareciam estar ali, na floresta. Ambos estavam em ilusões. E ambos não podiam ver um ao outro.
- Eu sei perfeitamente onde estás, Guilherme.
Dantalion tentou agarrar seu rosto com uma das mãos, mas Guilherme desviou, rapidamente segurando, puxando e quebrando um de seus chifres. O demônio grunhiu.
- Eu também sei. -disse.
- Maldito! - Dantalion bradou, com uma voz monstruosa que causou-me arrepios.
Aquilo foi o estopim de uma batalha de ilusões. Eles se golpeavam com chutes e socos e se defendiam um do outro com rapidez, em meio à uma outra dimensão onde eu não fora convidada a entrar.
Um fogo negro então cresceu e envolveu os punhos do demônio, fortalecendo um soco que atingiu Guilherme no queixo e o lançou por metros. Ele caiu no chão, à beira da inconsciência.
Dantalion voltou à floresta onde estávamos e veio até mim. Eu já estava com a energia preparada, minhas mãos envolvidas por luz, em contraste com seu fogo negro que flamejava em seus dedos. Preocupada com Guilherme, sem dúvida, mas não deixando essa preocupação tomar conta.
O demônio golpeou-me, porém defendi com agilidade, contra atacando com um chute. Ele segurou meu tornozelo. Minha luz queimou sua mão e a sua escuridão queimou minha perna. Rapidamente ele soltou, impulsionando minha perna para o lado e com a outra mão empurrou-me com força para trás. Enquanto eu me desequilibrava e caía no chão, ele saltou com velocidade sobre mim, apertando os punhos em minha direção. Eu desloquei uma grande quantidade de energia às minhas mãos e conti as suas. A minha luz e a suas trevas colidiram-se brutalmente e entraram em uma disputa de força.
- Essa tua falsa luz não vai te proteger, menina. Muito menos te levar a um lugar diferente do que habito. - sorriu para mim - Não importa o que faças, os céus se esqueceram da tua linhagem à muito tempo.
Do que ele estava falando?
- Ora, então não sabes o que tu és? - disse ao perceber que eu não o estava compreendendo.
Eu transferi mais energia e empurrei suas mãos que combatiam as minhas para tentar levantar. O demônio fez o mesmo, a escuridão pressionou-me contra o chão, e ele olhou para mim com todo o ódio que se pode haver na essência de alguém.
- Nefilim.